Não acredito no pecado; ou melhor: não acredito em santos que apontam um determinado pecado. Para mim, só quem sabe o que é o roubo – alguém que viveu o furto – é que tem uma condição mínima para opinar, ou ainda, para apontar quando ele acontece. Claro, estou generalizando, mas o fundamento é forte.

Digo isso porque sou uma pessoa que interrompe o discurso do outro. Faço para fazer calar o pensamento alheio. Interrompo porque tenho urgência em fazer minha voz ser notada em detrimento a do outro. Faço porque não fui educado a ouvir.

Claro que numa conversa há pontos de interrupção, que há momentos não avisados que o outro pode entrar para fazer um comentário ou colocar um contraponto. Numa conversa não há um ponto-parágrafo para a fala do outro se imiscuir, se misturar insolúvel. Mas o que tenho observado (em mim, primeiro; nos outros, por dor) é que normalmente o ritmo da pausa é deixada num segundo plano, é detalhe na conversa. O que acontece é um suceder de monólogos ou um desejo de fazer graça ou a vontade de esmigalhar retoricamente o outro participante do diálogo. Vejo isso em casais, em colegas de trabalho, em professores e alunos, em jogadores, em mesas de bar, em conversas casuais, em discussões de trabalho. Enfim. Na vida

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Mas qual o porquê desse tema agora? Há motivos anedóticos da minha vida, mas a vontade do texto veio de uma série de comentários de uma série de vídeos de entrevistas. Conto aqui.

Há tempos meu “pano de fundo” da TV em casa é o streaming de séries do YouTube. Muitas vezes são vídeos de terror ou ficção científica; programas de humor ou desenhos animados, mas eventualmente rola uma série de construção primitiva (Primitive Tecnology – https://www.youtube.com/channel/UCAL3JXZSzSm8AlZyD3nQdBA) ou de linguística (NativeLang – https://www.youtube.com/user/NativLang), história (Buenas Ideias – https://www.youtube.com/channel/UCQRPDZMSwXFEDS67uc7kIdg) ou ainda de filosofia.

Um dos canais que “frequento” é o da Casa do Saber (https://www.youtube.com/user/casadosaber) que elenca uma série de pílulas bem legais sobre diversos pontos de vista filosóficos mas eis  que me deparo com uma série (“Quem somos nós” – https://www.youtube.com/channel/UCIj7UmUVFTFC9yXNiZoRmEg), capitaneada pelo Celso Loducca que tem a proposta de um bate-papo sobre diversos temas de filosofia e psicologia, economia e afinidades.

Só que o “entrevistador” padece do mal da interrupção na mesma linha que o Jô Soares, Fausto Silva  e outros profissionais do ramo que usam a interrupção para colocar conclusões na boca do entrevistado, normalmente erradas ou redutoras e que calam, quebram e diminuem o discurso, independente de sua relevância, viés ou profundidade.

Uso esse exemplo para sublinhar a tendência de ter que se fazer presente no discurso do outro, quando o momento é do outro, não de quem interrompe. E para generalizar, apontando que ela é em diversos níveis de educação, classe social ou origem cultural. Vi o mesmo no Letterman (mas com outro grau de pertinência, claro) e no Leno, nos programas de tevê estadunidenses.

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Brinco com meus amigos com o “nunca interrompa um ariano”. Por vezes a construção do raciocínio se dá na fala aberta, no discurso falado e quebrar essa linha destrói totalmente a mensagem de quem fala. Por vezes a interrupção vem apenas do incômodo do ego (da id, na real!) ao ouvir algo que lhe incomoda ou para chamar a atenção para si (“como assim não sou o ‘astro’ deste discurso?“). Na real o que incomoda é o que vem de conteúdo da interrupção.

Tenho tentado interromper menos o outro. Falar menos tá difícil, já que minha profissão exige que eu fale bastante (ao menos nas reuniões) e tento sempre ponderar se “o que tenho a dizer é relevante?”. Claro que isso é subjetivo e nem sempre é eficaz, mas é o contraponto que posso tentar a oferecer ao mundo, já que calei tantos durante minha vida inteira com piadas, ofensas, bobagens ou apenas falta de educação.

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