Poema em Linha Reta

Fernando Pessoa – Álvaro de Campos

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida…

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó principes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos – mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

(Tava passando por aqui quando fui recordado desse excelente poema. É impresionante como os deuses do acaso sorriem para nós quando damos chance a eles!)

Over At The Frankenstein Place

In the velvet darkness
Of the blackest night, burning bright
There’s a guiding star
No matter what or who you are

There’s a light
Over at the Frankenstein place
There’s a light
Burning in the fireplace
There’s a light
In the darkness of everybody’s life

The darkness must glow
Down the river of night’s dreaming
Flow morphia slow
Let the sun and light
come streaming into my life,
into my life

There’s a light
Over at the Frankenstein place
There’s a light
Burning in the fireplace
There’s a light
In the darkness of everybody’s life

Ne Me Quite Pas

Se conheceram numa festa, dessas que hoje chamam de Ping-Pong(r) ou Adams(r) ou coisa parecida. Nada de mais, nenhuma história especial. Era amiga de um amigo de uma ex-namorada de um primo. Tava todo mundo lá e ele quase que não ia. O ficante da menina pipocou antes de ir para a festa e sobrou um convite. Ele topou. Tava de bode, curtindo uma dor de corno pq a ex-namorada tava já com um outro. “Porra nem esperou o defunto esfriar!” “Cara, tem três semanas já!” “E daí? Por um acaso saí passando o rodo no dia seguinte?” “Não, seu babaca, tu já tava passando o rodo antes. Uns seis meses antes.” “Porra, isso não tem nada a ver!” “Como não? Tu chifrava a menina a torto e direito e agora vem exigir que ela fique de luto pelo fim do namoro? Tu não dava a menor bola para ela e é isso aí. Vem um terceiro e rouba. O ladrão tá ali, do lado das meninas para garfar quando malandro dá mole.” “Ah! Num ferra! Tô puto e tá acabado!” “Deixa de ser babaca e vamos na festa! Vai ser maneira!” “PORRA! Como é que uma festa com Paquitas vestidas pode ser maneira?” “Deixa de ser escroto e põe logo uma roupa. Passo aí em 10, beleza?” “Tá bom…”

Chegou, viu a galera, não gostou de cara. Muito cheio, entrada cara, cerveja ruim, muito barulho, não dava para tomar bala. “Quer uma cara?” “Olha a sujeira, deixa de ser mané! A festa tá visada para caralho!” “Porra! Já vi que vou ficar puto!” Foi pro banheiro dar a primeira mijada da noite. Conseguiu um canto mais discreto e mandou uma meia-estrela pra dentro. Comprou um Red Bull(r) e começou a quicar na pista. Pisou em vários pés, derrubou uma menina e quase começou três brigas. Foi expulso da festa.

Chegou em casa, ligou o computador. “Caralho! Não vou dormir! Tô muito aceso! Puta que pariu!” Acessou o Orkut e viu um recado para si. “Te vi na festa. No início te achei um gato. Depois caiu a máscara e saiu um babaca. Não sei por qual dos dois me encantei mais. Me liga!” Era ela. Mal sabia que iria cortar os pulsos muito em breve por nao conseguir suportar tanto amor.

Ligou no dia seguinte e marcou um encontro achando que iria encontrar uma baranga-mor. As fotos não mostravam muito, mas baseou-se no relato do primo do amigo do colega do(a) ex- que disse que ela era muito gata. Inexplicavelmente tomou um banho antes de sair de casa e até escovou os dentes.

Pegou o carro, passou na casa dela que era a três quadras dali. “PORRA! Tu vai de carro para a casa da menina?” “É que se ele for gata, já arrasto pro motel!” “Caralho, cara. Tu tá pensando o quê?” “Ué. Se ela não sabe o que é, não deve temer; se já conhece, acostumou, né?” “Puta que pariu! Só você mesmo!” Parou, ligou, buzinou e tava quase indo embora quando a menina abre a porta da portaria três minutos e quinze segundos depois do primeiro contato. “Você chegou mais cedo.” “Tava ansioso para te ver, minha flor!” A menina realmente era um espetáculo. Mignonzinha, cabelos negros, escorridos ao longo do corpo, chegavam à cintura. Cintura que, de tão fina, parecia que ia partir numa freada mais brusca do carro. Ancas respeitáveis. “Boa parideira!”, pensou. Seios pequenos e firmes já que não usava sutiã. Bom. Ia ser uma bela duma foda.

E foi uma bela duma foda. A melhor da vida dele. A última.

Duas semanas mais tarde, estava ligando três vezes por dia para a menina, catando contatos na internet, deixando “scraps” pagando o maior mico digital que uma pessoa conectada jamais poderia pagar. Cometeu uma dúzia de poemas de 1k e gastou uma fortuna em presentes que mandava entregar na casa dela.

Nada movia a atenção da menina.

Resolveu estreitar os contatos com todos com quem podia para fazer um “cerca lourenço” na vida dela. Os conhecidos todos desapareciam. Os olhos de desespero afastavam qualquer chance de ajuda. Afinal de contas, nunca cultivara uma amizade, apenas conhecidos, kálegas de farra.

Já estava no limite quando resolveu acampar em frente da casa da menina. Não era difícil, o apartamento dava vista para a entrada do prédio e ele tirou uma semana de férias para ficar de butuca. Ganhou uma demissão já que nem se concentrar no trabalho conseguia mais. “Melhor. Dá para ficar mais tempo em casa na vigia.” Com a grana da recisão comprou um binóculo noturno e um normal. Um frigobar e uma poltrona confortável.

Não precisou esperar muito. Na segunda noite viu a menina se despedindo de outra. Com um beijo na boca. Outro beijo. Mais um. O negócio estava esquentando. Subiram.

Desceu como um louco as escadarias do prédio, correu a distância entre os quarteirões num pique só e se prostou na entrada da casa da menina. Esperou a noite inteira. Viu a outra sair pela manhã mas não se abalou.

Quando ela saiu – “Linda, linda com a luz da manhã!” – ele a interpelou. “Por quê?”, só conseguia dizer isso. “Patético.” Deu um beijo na boca dele com um sorriso malvado e subiu a escadaria.

Ele voltou para casa e, súbito, sabia o que lhe restava.

As Três Faces da Vítima – por Lynne Forrest

traduzido por Tatiana Leão

http://lynneforrest.com/html/the_faces_of_victim.html

A maioria de nós reage inconscientemente à vida através de uma posição de vítima. Sempre que nos recusamos a assumir responsabilidade por nós mesmos, nós escolhemos ser vítimas. Isso faz com que nos sintamos à mercê, traídos e injustiçados, não importando em qual situação estejamos.

O processo de auto-vitimização consiste em três papéis descritos por Stephen Karpman, um professor de Análise Transacional, no que ele chamou de o “Triângulo do Drama”. Tendo tido contato com esta teoria há mais de trinta anos, ela se tornou uma das mais importantes ferramentas em minha vida pessoal e profissional. Quanto mais meu conhecimento acerca do Triângulo do Drama se expandia, mais crescia a minha admiração por este instrumento poderosamente acurado, ainda que simples. Eu o chamo de “máquina da culpa” pois através dela nós inconscientemente atuamos em nossos ciclos viciosos, causando-nos culpa. Toda interação disfuncional acontece dentro do Triângulo do Drama! Até que nos conscientizemos dessas dinâmicas, não conseguimos transformá-las. Até que as transformemos, não conseguimos seguir em frente em nossa jornada para a reconquista de nosso patrimônio espiritual.
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Pale blue eyes

Diziam que ele era o rapaz perfeito, inteligente, hábil, bonito, educado. Era obediente e levado, sabia instintivamente quando podia forçar uma situação ou quando poderia chutar um balde. Era excelente na escola, notas à perfeição. Achava que tinha o mundo em suas mãos.

De fato tinha.

Um dia, encontrou um par de olhos azuis. Eram os primeiros olhos azuis que via. Pele branca, cabelo negro e olhos azuis como bolas de gude. Encantou-se por eles e decidiu que queria acordar do lado deles o resto de sua vida. Que queria ter filhos com esses olhos. Que envelheceriam juntos e ficariam vendo o tempo passar quando se aposentassem. Comprariam um café em Paris. No primeiro piso o café, no segundo livros e computadores. E isso era bom e certo.

Mas ele sabia que não estava escrito que ficariam juntos. Ela lhe passaria ao largo da vida. Nunca lembraria do seu nome ou que sentava a uma carteira dele na segunda série. Até porque ele adotaria um outro nome para si quando chegasse à maioridade. Um nome mais curto, mais forte. Ela mal se lembraria do franzino de franjas que lembrava uma menina. E ele usava um outro nome curto. Não era forte, tampouco feroz. Apenas infantil.

E ele tinha lido o livro de sua própria vida várias vezes.

Numa noite acordou, vagou pela sala vazia e sentou-se no sofá. Acendeu um abajur e começou a ler um gibi de terror qualquer. Teve um pouco de medo de andar “A Mão vai me pegar!” diria mais tarde para a mãe que lhe proibiria café, açúcar e gibis de terror. “Super-heróis pode! Mônica também!” “Mônica é de menina, mãe!” “E aquele de dinossauros?” “Esse é legal! Quero o do Tio Patinhas também!” “Tá bem!” Mas esse diálogo se daria apenas uma ou duas semanas depois de sua primeira virada. Lia o gibi e só conseguiu pregar os olhos quando o sol raiava.

Antes de amanhecer decidiu: “Não quero ganhar a vida. Vou ser ganho por ela.” Sempre sabia o que os outros iriam dizer, advinhava o que lhes encantaria mais, sabia que aos onze trocaria de escola, aos dezessete entraria numa faculdade, aos vinte e cinco terminaria o seu mestrado, aos trinta dominaria o mundo, aos quarenta morreria odiado, sem filhos, sem legado mas imprimiria a sua marca na história. Cem anos depois a humanidade encolheria para um sexto. Colonizaríamos a Lua e Marte, andaríamos em carros voadores e trabalharíamos três horas por dia apertando botões. Mas antes teríamos de passar por sua ditadura que expurgaria as fronteiras e as liberdades. “Não quero ser rei. Quero ser um pai.” Falou para a sombra que o fitava no umbral da porta. Fecharam os seus livros ao mesmo tempo. “Teu sangue herdará o mundo” disse a sombra. Decidiu que não queria o mundo mesmo. Os olhos verdes valiam mais à pena.

Chegou na escola (olhando com cuidado para os cantos escuros para ver se A Mão não aparecia para pegar a sua perna) no dia seguinte ainda virado. “Você não vai comer mais açúcar! Que é isso! Menino dessa idade virando a noite!” Não deu bola para a vó que o levava. Parou na banca, comprou figurinhas. Dividiu em dois pacotes. Uma para as repetidas e outra com as que não tinha, entregou para a vó. “Tó!” Esperaram o portão abrir e entrou à aula. Sabia o que a professora iria dizer antes mesmo de vê-la. Encontrou o Capitão Asa cantando Sideral e guardou na memória a letra da música. Subiu para a sala e sentou-se atrás dos olhos azuis que nem por relance o fitavam.

Ao chegar em casa recebeu a notícia que iriam se mudar do Méier no meio do ano. Ele teria de sair da escola e iriam para Copacabana.

Num relance o seu mundo caiu. Aquilo que tinha lido não serviria mais de nada e agora via, ainda que desmanchando no ar, os fios que ligavam suas mãos e pés ao nada.

Chorou um pouquinho. “Não quero ir para a outra escola.” “Mas lá tem praia, dá para catar tatuí e você gosta tanto.” “Quero ficar na vila.” “A escola de lá é melhor.” “Eu quero essa aqui!” “Não tem jeito, filhinho.” Chorou um bocado.

As férias o fizeram esquecer as aulas e mudou-se no meio de julho. Ao entrar na nova escola não sabia o que a professora lhe diria mas encontrou um par de olhos verdes sentados na segunda fila.

Sorriu por fim.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: “A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe”.
O vento da noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a e por vezes ela também me amou.
Em noites como esta tive-a em meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.

Ela amou-me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.
Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
A minha alma não se contenta com havê-la perdido.
Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.
O meu coração procura-a, ela não está comigo.

A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.
Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei.
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.
Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.

Porque em noites como esta tive-a em meus braços,
a minha alma não se contenta por havê-la perdido.
Embora seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.

Pablo Neruda

The Director Who Films Your Life Test

Penny Marshall
Your film will be 63% romantic, 47% comedy, 31% complex plot, and a $ 45 million budget.
Your romantic comedy-drama of a life is now in the hands of Laverne. We almost put Ron Howard in this spot, but we figured you wouldn’t want the part of your dad played by Ron’s little brother Clint (who’s in EVERY one of his films). Penny will hire Squiggy, instead. She directed A League Of Their Own, Big, Awakenings, and Riding In Cars With Boys among few others.

My test tracked 4 variables How you compared to other people your age and gender:

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You scored higher than 99% on action-romance
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You scored higher than 99% on humor
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You scored higher than 99% on budget

Link: The Director Who Films Your Life Test written by bingomosquito on Ok Cupid

The murder mystery

Acordou cedo, mas perdeu a carona assim mesmo. Antes tivesse dormido em casa. Teria tempo de tomar o banho quente, fazer a barba e trocar uma roupa passada. Correu e pegou o 2016 Centro-Mandala e tentou não congelar enquanto se perguntava por que raios esses ônibus com ar condicionado tentavam virar geladeiras e freezers no inverno gélido do Rio de Janeiro. Tá certo que, se fizesse sol, poderia bater uns trinta graus fácil, mas não era o caso. Enquanto azulava os lábios, viu que marcava dezenove graus no relógio-termômetro da General Osório.

Encostou, abriu o livro do Baudrillard e tentou ler um parágrafo.

“Cara cacete.” Fechou e abriu o gibi do Super-homem.

À frente o casal comentava a vida. “Ele tá na fase dois, né?” “Tá sim. Vai prá guerra e não perdoa nada que use saia.” “Não entendo os homens.” “É que, quando termina um relacionamento, os caras têm de aproveitar o momentum de moleza que as mulheres davam para ele.” “Hein?” “Pois é. Você nunca viu que, quando um cara começa a namorar, começam a aparecer várias mulheres a fim? Principalmente quando o cara é meia-bomba, nem feio nem bonito, nem legal nem chato, quando arruma alguma foda fixa, as outras ‘concorrentes’ ficam ouriçadas. Acham que perderam um ‘bom partido’ ou algo que o valha.” “Mas o que isso tem a ver com o ‘momentum’?” “Pois é. Quando ele termina o namoro/casamento/relacionamento/whatever as mulheres ainda consideram que é um ‘bom partido’ e ainda mantém aquele mole básico. Se o cara não aproveita ele vira mais um solteiro desinteressante. É claro que, se o cara for um canalha, ele não deixa o nível de interesse do sexo oposto cair nunca. Afinal de contas, o mulherio se amarra num filho da puta, né?” “Ah! Não acho que seja assim não. Deve ser outra coisa.” “Então conta.” “Acho que o cara tem de se reafirmar como macho mesmo. Os homens também sofrem o mesmo molde social que as mulheres e, em sua maioria, também querem ter uma família, sustentar uma mulher e tal, mesmo comendo geral na rua. E quando a proto-família dele acaba, ele fica meio sem rumo, sem norte para tocar a vida e tem de sair pegando geral para provar que ainda está no mercado, que aquilo não foi nada, que fazia parte da vida e tal.” “Mas faz parte da vida o ciclo de nascimento, evolução e fim. É normal em todo relacionamento.” “É, eu sei disso. O problema são aqueles que não sabem ‘morrer’ um relacionamento e fazê-lo renascer com a mesma pessoa.” “E quem sabe fazer isso? Ouço muito a galera falar isso, mas conheço poucos que o fazem. Eles ficam juntos por comodismo mesmo. Preguiça pura. Ou medo. Sei lá.” “É o nosso ponto. Levantaí.”

Acabou de ler a sessão de cartas e mudou para o banco da frente. Ainda tava quentinho. Olhou a paisagem cacete da Barra da Tijuca e se lembrou do Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças. O cara se pré-dispunha a viver tudo de novo com a mesma mulher repetidamente. Pensou rapidamente em dois ou três amigos que faziam a mesma coisa. Só que com mulheres diferentes. Sabiam que iam ficar apaixonados por dois, três meses, iam mudar para a casa delas ou fazê-las mudar para a sua casa, iam comprar um cachorro ou um peixe e iam terminar antes de fazer três anos de relacionamento. E faziam a mesma merda de novo. E de novo. Again.

“Filme foda.”

Levantou, saltou no Barra Shopping, lembrou que tinha de comprar um cabo de rede novo para o modem que não funcionava e xingou a conta do banco.

“Preciso arrumar um emprego.”

Rodou por horas o shopping e só tinha achado interessante a tattoo no rego de uma morena linda. Aliás, foda-se a tattoo. Que morena! Tava acompanhada por um pit-boy típico que usava uma bermuda da Bad Boy roxa com listras amarelas.

“Ha! Lembra o Coringa.”

“Amor, vamos tomar um sorvete?” “Pô. Queria uma açaí.” “Que merda de açaí o quê! Tu não gosta dessa merda! Tá todo saúde só porque fez duas aulas de jiu-jitsu! Que merda!” “Pô. Açaí é bom.” “Bom porra nenhuma. Tem gosto de merda aquilo.” “Pô. Tu já comeu merda pra saber?” “Ah! Não fode!” “Pô. Num precisa xingar né?” “Caraca! Não acredito que você entrou nessa merda de jiu-jitsu.” “Pô. Precisava fazer um esporte, né? Não dava para ficar parado. Tava enferrujando.” “Entrasse numa academia, sei lá. Essa merda de cheirar saco de homem é coisa de viado.” “Né não. Nem é. E é bom para controlar a agressividade.” “Que agressividade, caralho. Eu é que sou o homem do casal. Tu não faz mal nem a uma flor.” “Pô amor… num fala assim. Fico mal.” “O pior de tudo é você comprar essas roupas de pleisson que não têm nada a ver contigo.” “Pô. São legais as roupas. O pessoal da academia gosta.” “Gosta é? Olha só aquele ali. Tá pouco se fodendo para que os outros pensam. Tá usando uma camisa do Super-homem e calças vermelhas.” “Grená. A calça é grená. E a camisa é do Super do Kingdom Come.” “Como é que é?” “Nada não, amor. Nada não. Açaí é bom, mas eu divido um sorvete com você.” “Mmmm assim é que eu gosto. E nada de ver filme cacete, viu?” “Pô. Brilho Eterno é foda.” “Um saco.”

Rodou mais um pouco. Não comprou o cabo. Mas comprou uma edição do Maus do Art Spielgman e riu quando viu o pit boy folheando uma edição velha do Olhos do Gato, do Moebius na livraria do New York City Center.

Que bunda tinha a morena.

Three Imaginary Boys

“Acho que ali vamos botar a bancada para os computadores.” “Mas não vai caber aqui no quarto!” “Cabe sim, olha . . .” E fazia o desenho no ar da bancada que ainda não existia.

Estavam assim, enroscados e nus, entre os lençós da cama bagunçada, entre camisinhas usadas, livros lidos pela metade, cds fora de ordem e um sonho desenhado no ar pelo indicador dele. “Vai dar tudo certo. A cama é boa e o armário também. Bem sólidos. Agüentam a vida inteira.” “Mas e a televisão?” “A gente compra uma de 36 polegadas. Eu vi na loja. Não tá tão cara assim.” “Para que tudo isso?” “Para o centro de entretenimento que vamos montar na sala. Devedê com rometiatre. Gravamos Cedês de Emipetrês e vai dar tudo certo.” “E a mesa de jantar?” “Quebramos parte da parede da cozinha e fazemos uma janela. Ali servirá de bancada e mesa.” “Mmmmm parece bom . . .”

Se enroscaram novamente e gozaram juntos até amanhecer.

Ela deixou o prédio pela manhã, pegou o táxi e foi do Leme até a Glória. Abriu a porta do apartamento velho e viu a zona que as colegas (kálegas) fizeram à noite. As duas semi-nuas largadas na sala. Várias garrafas de cerveja espalhadas na mesa, sofá, estantes e em cima da televisão. Duas caixas de camisinhas vazias. Quatro cuecas. Peraí!!! QUATRO?

“Quem teve aqui ontem?” nenhuma resposta. “Anda!” Disse, chutando uma e sacudindo a outra “Quem teve aqui ontem?” “Uai. Ele não foi embora ainda. Tá dormindo no quarto.”

Putaquepariuputaquepariuputaquepariu. “Puta Que Pariu três vezes!” Abriu a porta e viu ele com o namorado. “Já disse que não quero ver a tua cara nesse apartamento. Fora daqui e leva o teu bofe junto!” Chutou os dois pelados apartamento afora e acordou o outro casal que estava dormindo. Levantaram assustados, olharam pela porta aberta e saíram rapidinho abanando os rabos. “Meus lindos. Só vocês não me decepcionam!”

Chutou mais umas garrafas e roupas e entrou no seu quarto. Jogou-se na cama e dormiu o sono dos amantes satisfeitos.

Os dois se recompuseram no corredor mesmo. Um, mal entendendo o que acontecera, outro se xingando por ser tão burro de voltar ali. Afinal de contas, com ela vivera boa parte da sua recente vida sexual. Não havia completado vinte anos e já morara com duas mulheres e três homens. “Que foi?” “Ela é uma vaca! Mal comida, mal amada e mal resolvida!” Desceram as escadas rapidamente e pegaram um táxi até a Botafogo. Atônito desce. “Foi ótimo ontem. Me liga, tá?” “Ok. Motorista, Leme, por favor.”

Fica perdido em pensamentos ainda sob efeito do álcool e das balas que tomara na noite anterior. Chega no prédio. Abre a porta da portaria. Cumprimenta o faxineiro. Sobe os lances de escada e cruza com o moreno do quarto andar. “Olá.” “Tudo bom, André? Farra boa a de ontem! Tua cara tá ótima!” “Pior que foi mesmo!” “Passa lá em casa depois, tenho novidades para ti. Ela vem morar comigo!” “Porra, que maneiro!” “Você tem de conhecê-la. E as amigas dela também. Mó gatas!” “Pô! Põe na fita!” “Pódeixá!”

Entrou em casa e sentiu que o destino iria lhe pregar alguma peça.