artistas

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Uma vez ouvi um palestrante criticar um colega — o qual ele nunca disse o nome — sobre sua decisão de não continuar a terapia. O colega disse que parou de se tratar porque a normalidade o impedia de criar e ele queria escrever o romance do século, a sua obra-prima. Meses depois se reencontraram. O palestrante perguntou o quanto ele havia progredido no texto, o quanto já tinha andado. Nada, respondeu o colega. Então você perdeu duas chances: a de ser uma pessoa normal e a de ser um artista.

Um outro conhecido se define como artista. Talvez ele o seja. Sei bem pouco de arte para dizer se alguém é artista ou não. Ele diz que sua vida é a própria arte, que cada gesto seu é uma obra de arte. Que todas as suas decisões são parte de uma performance sem fim. Pouco sei de arte, não tenho condições de julgar. Acho que ele está certo. Não há obra de arte maior que a vida de alguém. Talvez as obras de alguém há muito desaparecidos, como ruínas de uma civilização extinta, Afora isso, nada vale a vida de alguém.

Nunca quis ser um artista. Aliás, quando penso num texto ou num projeto “de arte”, já imagino o quanto ganharia (seja em dinheiro ou reconhecimento) por ele. O processo da criação em si me afeta pouco. E essa — talvez — seja a principal diferença de alguém que quer fazer arte e aquele que é apenas caprichoso, que tem um “artesanato” ao fazer algo. Essa coisa minha de já querer o futuro presente, me destrói aos poucos e pouco resolve no presente ou para o futuro propriamente dito.

Só que, às vezes, sou tomado por histórias. Elas me assombram, perseguem e incomodam por dias, meses e anos a fio. Já falei sobre isso antes e repito: eu sou o cavalo por onde as histórias se manifestam, não sou o dono delas.

Por muito tempo dei jeito nisso criando histórias (boas, ruins, péssimas) em jogos de RPG. Ali minha veia “criativa” sangrava com facilidade. Mas fui ficando cansado do meio. Passei a jogar histórias prontas e guardei as minhas para mim.

Fico feliz quando vejo uma ideia sendo refletida na obra de outra pessoa. Explico: não acredito em nada absolutamente inédito. Acho que as pessoas ouvem, leem, veem e falam coisas de outras pessoas o tempo todo. Alguém vai e sintetiza uma ideia que está fracionada em diversas fontes e toma para si o crédito; outra vai e dá forma bela a outras ideias que estão a voar por aí. Como um sinestésico, eu vejo essas ideias nas notícias dos jornais, nos comentários dos amigos, nos papos entreouvidos nos coletivos da vida. Só que me falta a habilidade de transformar essas ideias em “coisas belas”. Daí, quando vejo que alguém já tomou para si a tarefa, me dou por aliviado. É menos um fantasma a me assombrar.

Estou parando de tomar meus remédios e estou meio que desistindo da terapia. São muitos os motivos e nenhum deles é “sério” o suficiente. Na real, são todos desculpas para uma única origem: eu parei de ouvir as histórias nos últimos meses. Verdade, estou menos ansioso, sofrendo menos com as rotinas, mas o silêncio e a falta de voz na minha mente estava me incomodando sobremaneira.

Resta saber se vou fazer da dor, arte.

Paixão e desejo

Durante muito tempo tentei criar regras para os relacionamentos. Por um lado era uma forma de tentar entender o que eu e os outros sentiam, tentar dar uma luz ao que via acontecendo na minha frente e que não fazia muito sentido. Levei um tempo – tempo demais – para sacar que boa parte das coisas “erradas” que aconteciam num relacionamento se davam principalmente pela falta de comunicação e de vontade para todo o restante.

Intuitivamente eu falava para as amigas – aquelas com quem eu me ocupava definitivamente e que tomavam horas do meu dia com deliciosas conversas sobre si mesmas e suas inabilidades com os homens – que a chave de tudo é o desejo. Quem sem desejo, não se constrói nada em cima. Ele é o arcabouço para qualquer relacionamento mais duradouro. É algo óbvio, eu sei, mas que precisava ser dito.

Porém, como tudo que é óbvio, também pode se provar errado.

Me impressionam as histórias das pessoas que se conhecem apenas na hora do casamento. As histórias das pessoas que vivem setenta anos juntas. As histórias das pessoas que resistem, independente da paixão.

A paixão é a filha torta do desejo

 

Oração de São Jorge

Chagas abertas, Sagrado Coração, todo amor e bondade,
o sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, no meu corpo se derramem hoje e sempre.

Eu andarei vestido e armado com as armas de São Jorge.
Para que meus inimigos, tendo pés, não me alcancem, tendo mãos,
não me peguem, tendo olhos não me enxerguem,
e nem pensamentos eles possam ter para me fazer o mal.

Armas de fogo meu corpo não alcançarão,
facas e lanças se quebrem sem ao meu corpo chegar,
cordas e correntes se arrebentem, sem o meu corpo amarrar.

Jesus Cristo protege-me e defende-me com o poder de tua Divina Graça
e a Virgem de Nazaré me cubra com o sagrado e divino manto,
protegendo-me em todas as minhas dores e aflições,
Deus, com sua Divina Misericórdia e grande poder
seja o meu defensor contra a maldade e perseguição de meus inimigos.

Oh! glorioso São Jorge, em nome de Deus, em nome da Virgem de Nazaré,
e em nome da falange do Divino Espírito Santo, estendei-me o vosso escudo
e vossas poderosas armas, defendendo-me com vossa força e vossa grandeza,
do poder de meus inimigos carnais e espirituais, e de todas as suas más influências
e que debaixo das patas do vosso fiel ginete,
meus inimigos fiquem humildes e obedientes a vós,
sem se atreverem a ter um olhar sequer, que me possa prejudicar.

Assim seja, com o poder de Deus, de Jesus e da falange do Divino Espírito Santo.

Amém.

suave

Ela não se dobra, resiste
Opaca toda luz que nela incide
É mais que a soma das partes
Maior que sua totalidade

Perde-se num piscar de olhos, eterna
Some no canto da vista, fugidia
Desdobra-se nas tarefas, ocupada
Me desarma na luz do dia

Pergunto o que a faz chorar; sentir; gozar
Queria ter a fragilidade de seus sonhos entre meus dedos e ali me entregar

facas faladas

Não acredito
em criação
exceto
na dor

O torpor do contentamento
não é motor
que coloca alma
em movimento

Não acredito em ignorância que traga felicidade
ou em conhecimento que promova a paz
ou em equilíbrios, temperanças e diplomacias

Sou do povo da briga,
da discórdia
do desafio

É do atrito que nasce o fogo
o movimento
o pensamento

Me calo.
Me faço obtuso se minhas palavras são confundidas com armas.
Até porque são.  Das mais letais.
Mato sonhos. Ideias. Futuros. Mato e salgo a terra onde eles caem.

Não acredito em coisa alguma, exceto em que não há nada para se acreditar.

E na dor.

Ela diz a mim, diariamente, que estou vivo e pronto para a nova batalha.