A menina que pulava os anos.

Catarina era uma menina nos seus anos. Nem mais velha, nem mais moça. Ou melhor, às vezes era mais velha, ou mais moça. Ela costumava pulava os anos.

Tinha quatro ou seis anos, três ou cinco, um ou nove, cinco ou oito, ninguém nunca sabia ao certo. Todo ano era um ano novo, mas novo mesmo. Às vezes nem ano era, bastava ser um aniversário.

Não é que ela não soubesse contar, mas dessa forma era mais divertido e ela ficava maior ou menor quando pulava os seus anos para mais ou para menos. Velha, moça, criança, bebê, nem uma nem outra ou todas juntas ao mesmo tempo.

Brincava com os anos e com as horas também. Para ela, entrar no colégio era como sair; na hora de brincar, estudo; na hora de estudar, lanche e no lanche, papel e lápis, elástico e corda, bola e areia.

Tudo em volta de Catarina também a acompanhava nessa brincadeira esquisita. O pintinho que ganhou, virou ovo e depois galinha e, de repente, um dinossauro de penas que saiu voando pela janela.

Os colegas de amarelinha envelheciam a olhos vistos, casavam-se, tinham filhos e filhas e seus filhos tornavam-se pais e avós, continuando sempre crianças. Criança-adulto, criança-pai-e-mãe, criança-criança.

As horas do dia brincavam com ela, sempre doze por vez, ou vinte e quatro ou trinta e sei horas se lhes desse na telha do relógio de parede. Às vezes lá marcava seis da tarde, oito da noite ou três da manhã. De três em três horas, o remédio que tomava quando estava boa, e cuspia quando estava doente. Ninguém entendia bem, mas ela se jogava na vida assim, deixando tudo confuso e divertido ao mesmo tempo com os anos, as horas e as eras pulando à sua volta.

Mas teve um dia (manhã, tarde ou noite, sei lá!) que tudo ficou muito mais estranho. Ela ficou grande e pequena, velha e nova e seus amigos de tempos não mais a reconheciam.

Não era mais menina, criança. Mas não era adulta, nem moça-mulher.

Era isso tudo e nenhuma das coisas. Os anos já não pulavam em volta dela e ela não queria brincar mais com eles. Era já uma mocinha, adolescente, alguns diriam. Decidiu ser assim daqui por diante.

Só que os anos, as horas e os minutos, acostumados a ouvir a voz aguda da menina, não reconheceram a mulher-moça que estava a lhes falar.

Não a escutavam mais.

E o tempo passou a andar como anda para todos nós, tomando dela o que sempre foi seu. Só a memória de Catarina é que pulava os anos, de bebê a mulher, de filha a mãe.

Bem depois, seus netos brincariam com os dinossauros e as bisnetas, entre as estrelas.