Você não é importante (para sua empresa)

The yellow brick road

Dois casos recentes me fizeram (re)pensar um conceito que há muito tempo cozinho em banho maria no backlog da minha mente. São opiniões baseadas em observações e algum estudo factual, mas que nunca apliquei um método de controle ou de quantificação mais científico. Logo, podem arquivar esse texto como “opinião de merda” ou apenas “opinião” (é a mesma coisa).

O primeiro caso.

Uma conhecida veio conversar comigo após comunicar que iria se desligar da empresa onde trabalha em meio a pandemia. Estava fazendo processos seletivos há um tempo e finalmente chegou a um acordo numa proposta de trabalho boa e numa empresa da qual tenho opiniões diferentes que as dela (ela gosta, eu não e espero sinceramente que esteja errado e que ela seja feliz no novo trabalho).

O tópico do nosso papo foi que o ambiente em que trabalhamos não estava mais a animando a tocar o dia-a-dia. Pior: quando algo acontecia, quando os chefes a chamavam para avisar alguma coisa, ela entrava em modo de pânico (ou de “deu merda e a culpa é minha”), mesmo sem necessidade. Esse é o primeiro sinal de que está na hora de pular fora. Quando a festa toca as música que te fazem ficar down e a pessoa que você está a fim está trocando saliva com outra, melhor caçar o rumo de casa.

Mas o que me chamou a atenção nem foi a decisão dela em si. Isto pode acontecer com qualquer um (comigo, mais de uma vez), só que o discurso veio acompanhado de uma ressignificação da carreira, do projeto profissional, da visão que ela tem de mercado e de como se coloca dentro dele. Mais importante que isso, ela admite que pode estar fazendo uma besteira, uma “burrice”, mas que vale a pena correr o risco.

Hm. Sei.

O segundo caso.

Em março me apliquei para um novo projeto dentro da firma. Por uma série de motivos, gosto de inventar moda quando estou “confortável” dentro de uma empresa e esse novo desafio veio como uma luva para a minha personalidade e visão de negócio (dentro do escopo da empresa, claro). Mas isto não interessa. O fato fui aprovado e que precisava arrumar alguém que ficasse no meu lugar. Big Boss não topou que eu coordenasse os dois projetos ao mesmo tempo (ufa!).

Dei a letra pro meu superior imediato que o ideal seria pegar gente de dentro da empresa, de outras áreas, para renovar o sangue da equipe e trazer a inteligência de fluxos e funcionamentos para o time. A (des)educação em termos de pensar em produto, rotinas de projetos de Scrum e Métodos Ágeis ficariam comigo. Me ofereci para ficar uns dois meses fazendo shadowing, handover, coaching ou qualquer outra babaquice do momento que signifique treinamento. Mais importante que os métodos e os modelos de pensamento é o entendimento do produto, da função que a área desempenha para dentro e fora da empresa. Isso achata BASTANTE a curva de aprendizado. E os vícios corporativos a gente resolve na base do pescotapa. Com amor, claro.

Jogo combinado, fui conversar com a pessoa e ela me revelou que estava em dúvida. Gostou demais da proposta, mas acabara de receber outra dentro da mesma área, com a mesma chefe. Uma promoção, seria dito nos meus tempos de jovem gafanhoto, mas agora é um “desafio”. Isto fez bastante sentido. Deslealdade é algo que me enfurece sobremaneira e a pessoa não é do tipo que sacaneia o chefe por quinhentos dinheiros a mais. Não à toa que escolhi a pessoa para ficar no meu lugar (tem mais duas outras pessoas na fila, mas isso também não vem ao caso).

Dai fui falar com a chefia imediata, avisar que estava cantando a pessoa para o meu cargo e tal, e foi momento de queixo caído. A chefia me disse que já tinha conversado com ela, aberto o jogo e combinado tudo. Se a pessoa quisesse trocar de área, beleza; se quisesse continuar, idem. Falou das vantagens de virar Product Manager (financeiras, inclusive) e não vendeu o peixe dela.

Hm. Será?

As empresas cagam para você; as pessoas, não.

Algumas das empresas mais promissoras do mercado (Uber, Stone, Airbnb) anunciaram recentemente que estão demitindo de 15% a 25% do corpo de funcionários. Empresas cujo discurso de Human Capital era a da valorização do funcionário, que eram o principal asset da companhia; que seguiam a máxima da “laranja podre” é inaceitável dentro do quadro de colaboradores, que investir em material humano é o melhor investimento.

Só que na hora que o sapato aperta, descarta-se esse “melhor investimento”.

Não digo que tenha sido um processo indolor. Já passei por uma demissão em massa na Bloch Editores e me foi extremamente sofrido escolher quem ficaria e quem iria ser demitido (com a perspectiva da empresa ser fechada em dois, três meses à frente). Mas a Bloch era uma empresa que nem sequer comunicava o motivo da demissão ao funcionário: ele simplesmente não encontrava o cartão de ponto na entrada e já sabia que estava fora, passando direto no RH.

O Airbnb publicou até carta de intenções de comos e porquês das demissões, sobre o processo decisórios e das incertezas do mercado para os anos à frente (o que é uma baita coragem, pois o bicho que mais tem medo de incerteza é o tal do executivo). Ainda assim, 1.700 pessoas perderam seus postos de trabalho.

Duas das grandes empresas para quem trabalhei faziam uma “lavagem cerebral” nos funcionários. Numa delas tinha até musiquinha para cantarmos todos juntos, abraçados, na primeira hora do expediente. Mesmo discurso: você é importante, você é importante, você é o último biscoito do pacote. Claro que as duas fecharam as portas para centenas de pessoas sem pestanejar e quando a operação deixou de ser tão lucrativa (apesar de margens absurdas de “royalties” para bancar a matriz gringa deficitária não ajudarem em nada na margem final de uma delas), fecharam as portas.

Funcionário é o maior valor da empresa? Balela.

O fato é que as empresas ainda encaram os funcionários como despesa. As reclamações com a CLT, em grande parte, passam por aí. Não é um dinheiro que o funcionário deixaria de ganhar, mas que as empresas economizariam. Despesa, custo e nunca um investimento.

“Ain, Zander. Quer dizer que as empresas devem ter prejuízo só para manter o quadro de funcionários, é?” Não disse isso. Mas não disse o contrário. Num outro texto e numa outra discussão, tergiversei sobre a essência das empresas, do que elas fazem, da sua função social (e econômica, claro!) e de seus propósitos. No momento em que tudo vira dinheiro, até mesmo o discurso é medido em cifras. Na real, até acho que cortes podem ser necessários, mas sempre que se demite alguém, perde-se dinheiro na cadeia inteira. Perde-se no processo de contratação, no custo de oportunidade, na capacidade produtiva e em memória e histórico. Claro que ninguém é inamovível e às vezes é melhor cortar o tronco ao invés de deixar a árvore apodrecer, mas não é disso de que estamos falando e vendo, né?

Só que no outro lado da moeda tem os laços que fazemos nas empresas. A Stone mandou embora uma leva de funcionários que já estarão sendo seduzidos na empresa onde trabalho (acho!); Uber mandou outros, tem uma turma em São Paulo que já está de olho nos profissionais; a Oi demitiu quase todo o quadro da Oi Internet (sdds!!!) e a Claro fez nhac!, contratou quase todo mundo. Eram pessoas com experiência, já trabalhavam em grupo naturalmente, já se conheciam e tinham suas dinâmicas bem resolvidas. Se olhavam com brilho nos olhos todos os dias.

Pessoas contratam pessoas; empresas demitem pessoas.

Millenials sacaram essa dinâmica melhor que todo mundo

“Mas Zander, o que isso tem a ver com os dois casos que você apresentou?” Bom, se você não sacou o lé-com-cré e os títulos, vou ter que explicar tudo (e a culpa é minha! a culpa do entendimento da mensagem é sempre do emissor!).

Nos dois casos, as pessoas estão entendendo que não é a escada corporativa que importa, mas os laços que se montam para tecer uma rede de amparo empregatício (já que os oficiais estão se dissolvendo gradualmente). No primeiro caso, a pessoa se arrisca no meio de uma crise única nos últimos cem anos num salto de fé para uma empresa de reputação discutível (na minha humilde opinião, sempre!); e faz isso por conta de um valor incalculável: o ambiente, o clima de trabalho.

Já fui trabalhar em empresas pensando em me matar no meio do caminho. Em parte porque tinha contas (e pensões alimentícias) a pagar, mas também porque entendia que “as coisas são assim mesmo” e que “melhor procurar emprego empregado que desempregado”. Ainda penso assim, infelizmente. Não tenho o viço dos vinte e poucos anos para fazer esse salto lépido no vácuo e esperar que o universo (ou a família) me ampare. Mas a minha geração também ia ao mesmo compasso. Um ou outro é que se arremessava e arriscava algo diferente. E, mesmo assim, com muito planejamento.

No segundo caso, o valor que faz a balança ficar pendente para a pessoa é o do futuro. A aposta é do curto-médio versus médio-longo. Aceitando a minha proposta, a pessoa entra no seleto grupo de “profissionais que têm um título da moda”; no outro, é um investimento num conhecimento de especialização que é mais perene. Do alto da minha montanha de cinquenta anos, vejo mais interseções que paralelismo nas duas opções de carreira, mas entendo o dilema da pessoa.

Minha geração via a carreira como uma escada e um Battle Royale corporativo. Só pode restar um na firma, e cada um por si para pegar a gerência, a diretoria, a presidência. Falhou? tente se recolocar em outra empresa, de menor porte, mas num status melhor. Poucos saíam para se arriscar em algo novo. Empreendedorismo? Bullshit de crise dos 40.

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As carreiras (no plural mesmo) de uma pessoa são parte componente da sua história. Nos encontros de aplicativo, uma das primeiras perguntas é: “o que você faz da vida?” Tem gente que se irrita com isso, mas é relevante demais da conta. As histórias que essas pessoas têm para contar são diretamente originadas de suas rotinas diuturnas. Há os filhos, os bichos, as viagens, os livros, os filmes, as músicas, as comidas e bebidas, claro, mas boa parte do seu dia é naquela experiência que chamamos Trabalho.

E os Millenials enxergam que a escolha desse trabalho é o importante, que é o fundamental.

Hm.