Há alguns anos eu fiz uma lista de coisas que queria fazer antes dos quarenta anos. Boa parte – a maioria – delas eu consegui fazer. Falta apenas juntar algum dinheiro de fato, mas acho que já estou no caminho, meio caminho andado.
Hoje, no entorno dos quarenta, tento me projetar à frente e tento desenhar que tipo de pessoa quero ser aos cinqüenta. Quero crer que chegarei fácil em 2020 mais lúcido, rabugento, pernóstico, prolixo e promíscuo que chego hoje, mas essa estrada tem mais armadilhas que a minha vista consegue alcançar.
Mal sobrevivi os meus dez primeiros anos. Ficava doente sempre aos verões, corri risco de perder a vida umas três vezes ao menos. Descobri-me perdendo os céus e o jogo de pipas com a miopia cavalgaste, descobri-me irremediavelmente apaixonado pelos olhos verdes e azuis e inexoravelmente sabendo-me abandonado pelas mulheres.
Os dez anos seguintes foram menos arriscados para a minha saúde, mas determinantes para a formação do meu (mau-)caráter. A adolescência me transformou de criança linda e andrógina em um protótipo de membro da banda Devo. Ao mesmo tempo me ensinou a duras penas que ser diferente não é bom, nem ruim, é apenas o jeito que tenho. O meu destino, a minha caligrafia no caminhar. Optei pelo que é alternativo, estranho e bizarro não por fetiche, mas por sobrevivência. Os deuses que me perdoem, mas não entendo o culto pela a adolescência, pela juventude eterna.
Durante os meus vinte anos vi meus sonhos morrerem, meus ideais soçobrarem, uma carreira degringolar e minha esperança no ser humano puro e eternamente evolutivo desmontar. Tornei-me arrogante, amargo, cruel, grosso, ambicioso, frustrado, torpe, tedioso, mediocrizaste. Ao mesmo tempo minha filha – minha luz, minha obra, minha vida – nasce e minhas prioridades viram de ponta-cabeça. Começo a pensar seriamente em sobreviver os meus trinta anos e ver minha filha tornar-se uma mulher.
Nesses tais de trinta anos, essa tal de quarta década para os que sabem contar, vivi o mundo que pude abarcar com braços, pernas, mãos, bocas, ouvidos, nariz e outras extremidades. Beijei bocas impensáveis, comi comidas inacreditáveis, escrevi textos deploráveis, ouvi músicas que só sonhara na adolescência – não tinha internet para fazer downoad de discos raros, meninos e meninas – e consegui aparar arestas cujas pontas me impediam de ser uma pessoa mais tolerável. Ainda há muito a fazer aí, mas acho que já tracei as trilhas para que a erosão do tempo cumpra seu caminho.
Para os próximos dez anos, eu planejo bem poucas coisas, pois sei que o processo será mais complicado. Não tenho o viço e ímpeto dos teenagers ou o charme pós-jovem dos trintões. Serei, de fato e direito, uma pessoa de meia-idade (se a expectativa de vida bazuca aumentar para os cem anos) e, como tal, caio no limbo dos velhos demais para “baladas” e dos jovens demais para a meia-entrada e passagem gratuita de idosos. Serei, definitiva e irremediavelmente, um estranho no meu ambiente de internet. Minha filha– minha luz, minha obra, minha vida – deixará de ser uma menina e cairá no mundo, ávida e ansiosa por devorá-lo como todas as meninas-mulheres dos seus quase-vinte anos. E as mulheres… bem… essas serão capítulos para outros na minha história, já não tenho mais a paixão e a libido. Sou uma lata vazia de vaselina. Um pacote rasgado de camisinhas, um tubo de KY usado. Dos pecados capitais, a luxúria definitivamente não está mais no trono de predileta e a preguiça começa ensaiar uma lenta e paulatina tomada de poder.
Além disso a minha saúde não irá melhorar. Sempre fui sedentário e – não me venham com essa merda de “sempre há tempo para começar” – isso não ajuda a melhorar o meu péssimo condicionamento físico. O que eram irritações ou inconveniências, passarão a ser motivo de consultas, remédios e inquietude. Já são, fato, em menor escala. Tudo bem, né? está na hora de começar a fazer uso do plano de saúde que pago desde sempre.
Por outro lado, a minha capacidade de produzir não irá aumentar. De fato, já tive o meu auge vinte anos atrás e não aproveitei o que deveria. É um dos meus arrependimentos, mas faz parte de mim como a miopia e um dente torto. Só posso contar é com textos mais irrelevantes, mais autocomiserados e inócuos. Tudo bem, é o que preciso para manter um fogo ainda ardendo na mente. Talvez consiga aprende o que é determinação e disciplina e feche um livro, uma peça, um romance. E, no bojo, me forme na maldita e adiada faculdade.
A minha capacidade de degustar o novo é comprometida. Não consigo gostar realmente de nada que apareceu nos últimos dez anos. Não tenho a epifania da descoberta de uma banda, de um disco ou de um filme há eons. Tudo parece pastiche, plástico, isopor. Ainda assim tenho fé que há encantamento em alguma esquina e ainda há um livro que me encanta por vez ou outra. É a magia da literatura. Mesmo velho, Homero desperta um gigante que há em mim.
E a fortuna. Bom, essa eu já desapeguei. Se eu queria ser rico, muito rico, aos vinte e poucos, hoje espero só que as contas se paguem por si só. Que minha diversão eletrônica mantenha-se em dia, que eu coma, que eu beba, durma, tenha um teto e luz elétrica e acesso à internet.
O resto?
Bom… tenho dez anos de espera para ver o que o mundo me trará.