Dez anos

Filho,

Estou escrevendo essa mensagem porque não sei se você vai querer falar comigo no teu aniversário. E te entendo perfeitamente. Sinto o mesmo quando chegam as datas festivas com relação ao meu pai.

Sabe, sei que não sou bom nessa coisa de paternidade. Queria muito ser. Mesmo. Sinceramente. Foi um sonho da minha vida inteira: ser um pai melhor do que o meu foi para mim. Falhei. Falho todos os dias. A ausência completa é melhor que a decepção que sou para vocês.

Não quero com isso dizer que a vida não me preparou para ser pai, que não sei ser bom porque nunca aprendi. Ninguém aprende, a não ser com exemplos e errando. Pois os tive. Foram poucos, de amigos muito próximos, mas tive.

Também não vou dizer que não tenho responsabilidades sobre o que aconteceu ou acontecerá na nossa relação. Não se trata disso. Assumo todas as responsabilidades dos meus erros contigo. Todas.

Aqui se trata de dizer que há amor que nasce aqui e vai praí. É amor sincero, incontestável e faz parte do melhor que há em mim. Você é parte desse melhor que há em mim. Por você, há dez anos, redescobri um novo motivo para acordar pela manhã e fazer coisas que normalmente não conseguiria. Não por sacrifício, mas por vontade, desejo e força que não sabia que existiam em mim.

Há dez anos estou acordando e dormindo pensando num moleque debochado que mora do outro lado do Brasil. Um moleque que dá cara à minha saudade.

Sei que sou imperfeito. Mas só tenho essa imperfeição para oferecer. É tudo de mim. É o todo de mim que te é oferecido. Não sei se te será o suficiente na vida ou se te tornará uma pessoa boa, capaz, apta ou saudável. A gente nunca sabe. Queria poder fazer mais, ser diferente, ser alguém que não sou. Não consigo. Não apenas na paternidade, mas nos relacionamentos de uma forma geral. 

Não sei lidar com o outro.

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Filho, a carta é para você, mas acabo falando de mim. Sou assunto demais para essa minha cabeça velha e acaba tomando minha voz. Não deveria.

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Há dez anos você chegou de sopetão. Veio numa maré de felicidade e trouxe esperanças, amor incondicional e muito cocô e xixi. Trouxe histórias, aprendizados e uma capacidade de regenerar tudo ao seu redor. A gente aprende a olhar o mundo de outro jeito quando está do lado de uma criança a quem amamos. 

Há uma década que alguém me desperta o sonho de presença. De querer essa pessoa do meu lado o tempo todo, todo o tempo. E, pelo mesmo tempo, senti a força da distância falando forte.

Confesso que antes de você, sentia isso, mas a distância era resolvida com uma passagem de ônibus e uma noite mal dormida. Hoje é mais complicado.

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Temos internet, vídeo, telefone, telegrama, carta e tudo o mais. Mas minha falta de habilidade é quem cala o movimento. De novo, a responsabilidade pela distância é minha, meu filho. Nunca poderia colocá-la em outra pessoa. Jamais.

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Já disse que não sou bom pai, né? E que sou imperfeito. E distante. Também já disse que amo sinceramente, mesmo sabendo que isso não resolve as coisas.

Pois é.

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Escrevo essa carta porque não sei se você irá querer falar comigo. Te entendo. Acho justo, até. Só queria que você soubesse que sinto sua falta, minha criança mais-que-perfeita.

Do seu pai,