A mensagem dos ciclos

Fonte: NASA

O ano chega ao fim e os dias continuam a vir. Também vêm as horas, minutos, segundos e todas as maravilhosas divisões que inventamos para falamos do movimento das coisas; as divisões que chamamos Tempo.

No Tempo colocamos as esperanças, as desilusões, a cura de tudo, a culpa da passagem e término e o desejo do controle do Universo. Só que o Tempo não sabe de si e tampouco sabe de nós.

Apenas conseguimos falar das coisas estanques na mente. É necessário congelar o azul para o chamarmos azul (celeste, petróleo ou piscina) mesmo ele sendo parte de um conjunto de impulsos visuais muito mais complexo que o resumo de seu nome; mesmo sendo uma experiência diferente para quem pega um crayon ou um pincel com tinta à óleo, aquarela ou acrílica; mesmo sendo uma ideia impossível para algumas culturas; mesmo estando lá apesar de nós.

O Azul não tem consciência de si. Somos nós a consciência da existência do Azul.

As coisas existem sem perceberem que estão lá. A maioria delas, digo. As estrelas não parecem perceber que dobram o tecido da realidade criando Movimento (e Tempo, consequentemente); as montanhas dos Andes não parecem entender que controlam o regime de chuvas de uma planície continental; os oceanos não sabem que a Lua rege suas vagas e ela, ignora solenemente sua irmã maior, apesar de ainda estar presa à sua órbita. São todas essas coisas ignorantes do universo e de si mesmas.

Mas existe um evento chamado vida que evoluiu para diversos tipos de organismos que ganharam percepção do entorno como forma de resistência à Entropia. Esses organismos aumentaram a complexidade dessa percepção, como resultado do movimento que chamamos Evolução, gerando algo que chamamos consciência.

Essa consciência se apresenta de milhares de formas diferentes, transcendendo em linguagens que entendemos paulatinamente. Na maior parte das vezes, ela aumenta a capacidade de achar um lar, coletar alimento ou achar o melhor parceiro para procriar. É mais do que a Lua, Marte ou o Sol fazem (e menos, bem menos, em outra escala).

Somos parte desse grupo que desenvolveu consciência e linguagem e que entende que o entorno é maior que nós. Mas algo no nosso processo nos separou da admiração do todo, no entendimento que somos ainda parte de um mundo da mesma forma que um rio ou uma árvore e não numa forma filosófica ou espiritual; temos átomos que em algum momento estiveram juntos e misturados com esses mesmos rios e árvores. É realmente tudo junto e misturado mesmo. O eu do movimento que chamo amanhã carregará átomos que foram de alguma planta ou animal que foi outras criaturas ou substâncias modificadas por processos fotossintéticos.

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Sou parte de tudo aquilo que existiu, metafórica e fisicamente. Mas não dou conta desse movimento. Tenho que dizer: “EU SOU” o tempo todo para conseguir falar de mim, ainda que apenas neste instante; para poder me entender, sentir, opinar e interagir com o meu entorno.

Esqueço muitas vezes que meu passo deixa marcas; minhas decisões, consequências; minhas opiniões, inverdades (evito opinar sobre aquilo que não conheço e cada vez mais sei que conheço cada vez menos). Quero caminhar consciente que faço parte de um todo. Sou uma água-viva numa colônia monstruosa e o oceano é parte e resultado de mim.

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Congelamos o Tempo para falar do nosso movimento no Universo; congelamos as coisas para podermos falar delas com propriedade; congelamos nossa essência para poder entender nossa existência. Não damos conta de falar do movimento, da impermanência das coisas.

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O ano acaba, mas não os dias, o mês, o girar da roda do Universo. E eu contemplo daqui, da minha pequena consciência, a magnitude do Todo e tento fazer o melhor possível.

Bom 2022 para todos.