eu queria só um pouco

escrever aqui algo sobre como nós deixamos de entender o próximo e o transformamos em coisas, em personagens rotulados, arquetipados, sem vida, sem nome ou sobrenome. De como chamamos o garçom de “ô do norte”, independente se ele é gaúcho ou carioca, de como falamos que um trabalho mal-feito é “de preto” ou de como algo que é mais exótico que terno preto com gravata ou um pouco mais femenino que futebol e coceira no saco é chamado de “coisa de veado”.

queria escrever um pouco mais sobre os processos que as metrópolis têm em anonimizar suas multidões e de como nós só conseguimos valer nossos direitos quando passamos a ser alguém reconhecido seja pelo “amigo que dá um jeito” ou da celebridade que não é multada quando estaciona em local proibido e da busca pela notoriedade, não apenas para satisfação do ego, mas para a simples sobrevivência do eu. De como nos transformamos em mini-celebridades dos nossos círculos de amizades (digitais ou não) e nos anulamos nesse processo. De como conhecer mil pessoas rapidamente é mais interessante que ter dois ou três bons e fieis amigos. Pois esses amigos não podem nos “facilitar” uma entrada VIP, mas a centena de conhecidos decerto que sim.

queria escrever algo para quebrar o silêncio que se instaurou em minha mente. Bem alimentada com dezenas (26) livros comprados nos últimos dois meses, bem aquecida com a instalação de um amor 2.5 aspirado, anestesiada com a incerteza do trabalho mas com a possibilidade dos novos projetos, da mudança que se anuncia no horizonte.

queria escrever diariamente os textos que me vêem à mente.

mas hoje (agora) só quero dar um adeus a alguém que, em crença, tinha certeza que o mundo tem de se “iluminar”, que dizia que se projetava astralmente e que cuja fala ininterrupta e feéria foi calada pelo chumbo de um desconhecido. um anônimo que tentou levar o seu carro, veículo para viagens materiais. um anônimo que lhe entregou a passagem para a Derradeira e Definitiva.

adeus Fervil.