O canalha (segunda parte)

“Sabe, você não faz o meu tipo!”

Eu já estava de saco cheio de pajear a menina. Duas horas e meia de papo furado e charme jogado e cerveja e petiscos e nada da garota se embriagar ou mostrar que estava a fim de ir pros finalmentes. Finalmentes? Nem trela para eu pegar a mão (ou a coxa, ou abraço) ele estava dando. Puta jogo duro dessa garota. E nem sinal de que eu deveria pegar o meu chapéu e ir tentar a sorte na Augusta. E ela ficou ali papeando, contando causos, mexendo no cabelo e olhando para mim e fugindo dos ângulos e olhares. Aí eu resolvi passar pro ataque kamikaze mesmo.

“Não estou acostumado a sair com meninas como você, querida.”

Ela me olhou com a cara de coelho que viu o lobo dar de costas. Dava para sacar claramente a revolta e o emputecimento crescente que transbordava das rugas e dos trejeitos com as mãos que rapidamente pararam de brincar com as coisas da mesa (guardanapos, palitos, bolachas de chope) e passaram rapidamente para pose de defesa. É, amigos, a grande vantagem de saber ler o corpo do outro é essa: saber o que o este pensa antes mesmo de abrir a boca. Obviamente um ou outro parágrafo pode ser perdido no processo, mas funciona noventa por cento das vezes. Noventa e cinco, no caso do flerte-esporte e da azaração-arte, eu diria.

“Não tenho o costume de sair com meninas lindas, você sabe. Quasímodo que sou, me contento com carinho pouco de quem puder me acalentar.”

Ela relaxou pela metade. Entendeu o “moça bonita”, mas deve ter perdido o resto da sentença. Ainda marquei ponto por falar difícil! Opa! Um avanço claro: pupilas dilatadas! Engatei um papo mole sobre o quão é complicado conquistar uma mulher – com ênfase em mulher – bonita e jovem como ela. O quanto que temos – nós homens – de desenvolver em conversa e maturidade para chegar num patamar que lhes – as mulheres – é instintivo. Na verdade, enrolo e enfeito regras que todo canalha de profissão sabe desde o primeiro dia na faculdade de cafajestice. Que os mais velhos sempre têm a vantagem no jogo da conquista, desde que ainda estejam em forma. E há uma cartilha que diz: “Tenha 40 anos, mas maturidade de quem tem 60. Fale merda. Aja como se fosse bobo. Melhor: seja bobo. Tenha um apê seu, não importando se é alugado ou comprado. Não trate as jovens adultas como idiotas e ignore as idiotices delas. Dê atenção. Finja que curta as bandas, os filmes e os livros ruins delas. Sempre pague a conta. Sempre pague o taxi ou o estacionamento. Abra a porta do carro para a moça entrar e sair. Tenha roupas de cama limpas. Mantenha a casa toda limpa. Aprenda a cozinhar. Tenha várias camisinhas (quanto mais, melhor). Tenha paciência. Muita paciência. Se tudo der errado, cante a mãe dela.” Ou ignore isso tudo e seja um rock star.

“No seu apartamento ou no meu?”

Ao acordar no dia seguinte, a moça estava meio perdida entre enganada e furiosa. Parecia que o cavaleiro prateado da noite anterior havia despido sua armadura e virara um velho flácido e flatulento. Não nego. Essa vida de álcool e bares e mulheres acaba com a digestão de qualquer um. Além disso, não dá para trabalhar e boemizar e manter-se em forma. Não inventaram pílula para perder barriga em sete dias que seja eficiente de fato. Ela ficou me olhando com cara de pidona e eu, cansado para dar a carona merecida, esbocei um oferecimento de taxi para a menina. Novamente o meu vastíssimo conhecimento de linguagem corporal apitou como um alarme de zona proibida e logo emendei com um “te levo no ponto de ônibus”. Perfeito. A moça em fúria descortês bateu apressada a porta e partiu. Só deu tempo de eu mandar um recado malcriado pela janela.

“Amanhã te ligo, querida. Sem falta.”