a vidente

Tinha como meta advinhar o futuro nas cartas, nas estrelas, nas entranhas dos amantes que se dobravam em perdição de sentidos e moral na sua alcova. Mas nada que previra lhe era útil. Só um eterno e incessante carrossel de carne, jogos, bile e vileza trotava ante seus olhos, como se acelerasse o tempo (ou se tornasse mais lento para os demais) e ficasse impassível ante o mundo que se redobrava nos cantos mais ermos, escuros, escusos, úmidos e viciado.

Ela via o futuro e se inconformava: queria a volta da inocência perdida.

Sobre a administração dos espaços mentais

Eu resisto à tentação de transformar este blogue em um sítio de filosofia, política e outras diatribes que cometo em listas de discussão, papos com amigos e afins. Resisto em transformar este espaço em um local de crítica literária, dicas culturais e roles de álbuns, livros, filmes consumidos por mim. Tampouco transformo-o em mais uma página de objetos de desejo.

Há pessoas que fazem isso tudo mais e melhor que eu jamais poderia fazer.

Tenho alguns ditados pessoais (a maioria impublicável e envolvem partes bem específicas do sistema digestivo humano) e um que se aplica propriamente ao que apresento é o “tempo é uma função mental”. Nunca aceitei a justificativa de “não haver tempo” para deixar de fazer A, B ou C, principalmente de amigos ou colegas que me prometem uma ilustração, um texto, uma música. Isso não quer dizer que eu não faça isso, pelo contrário, é normal que eu diga: “não tive tempo”.

Talvez porque eu entenda que um “não tive tempo” é uma forma mais adocicada de dizer “caguei para você e resolvi centenas de coisas desimportantes ao invés dessa paradinha aí” e outras variações da mesma função babaquara. Quando eu digo: “não tive tempo” quero dizer exatamente isso.

(Agora atenção. Essa é a virada do texto, ok?)

Mas há um outro lado na história. Nós costumeiramente damos mais valor às pequenas coisas que às grandes, aos pequenos aborrecimentos que às grandes tragédias – até porque o aborrecimento do outro é a nossa tragédia e vice-versa, né? – e tendemos a priorizar essas pequenenezas diárias ante o plano geral.

Já é cliché o quadro do pai que deixa de brincar com o filho para fechar mais um dos intermináveis formulários que preencherá para o trabalho, ou para entregar no prazo um texto dentre os bilhões que serão escritos e ignorados pela massa ignara (se a massa é ignara, ela ignora o seu redor). Ou ainda o livro que fica à beira da cama sendo cortejado, acariciado, enamorado e se desfaz antes que o seu dono consiga folheá-lo. Ele chega em casa diariamente estropiado pela máquina de moer gente que tira o sal do seu suor e mal tem o tempo – mental! mental! – de abrir a primeira folha e deixar-se levar pelo que fora escrito.

É assim o meu dia. Entro numa máquina de moer gente e pensamentos e ideias e textos e planilhas e saio no fim do dia (ou no meio da noite, vá lá) exaurido da vontade de abir um livro, de tocar um filme, um disco. Quiçá de trazer para cá a minha vida, essa mesma, drenada, secada, destilada pelas horas diurnas.