Amor é fogo que arde sem se ver,
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente,
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Camões

Hoje tive um sonho ruim.

Achei que não via mais caminhos à minha frente, que não havia mais motivos de caminhar. Queria me entregar ao tempo, envelher cem anos por hora, me tornar pó antes do meu tempo. Ser passado, nem presente nem futuro.

Queria que todos me esquecessem, os bancos, os cobradores, a família, os amigos, os inimgos… Queria me tornar uma coluna, dórica ou jônica, vertebral ou não… apenas servir de decoração à paisagem da vida.

E aí você me veio.

Aliás, nessas horas de tristeza, de verdades absolutas, quando o universo resolve mostrar ao homem o quão pequeno ele é, nessas horas em que o desespero se senta na cadeira atrás de você, quando as cores perdem intensidade e o grisê parece mais bonito, você vem, sem vir, aparece, sem se mostrar e abre as janelas da minha manhã desadormecida.

E eu penso, poesia!

Quase como se cantasse um blues, eu resolvo escrever por ti, apenas por ti. Pequena, dos cabelos desencacheados. Você para mim é rumo, as outras pessoas da minha vida são apenas complemento. E tenho a certeza que acordarei amanhã, ainda triste, pois a maldade dos adultos ainda dói o meu coração de criança, mas certo que viverei o dia.

Ainda sou um garoto aprendendo a usar os óculos…

Queria ter aprendido nesses trinta e poucos anos a ser um homem melhor e maior. Talvez você me ensine isso.

Esquecer não é perdoar.

Perdão se dá com a alma, mas carrega-se consigo a mácula do erro do outro.
O erro não esqucido, perdoado.
O perdão redime ambas as partes, não conserta o erro. Mas, na redenção, o erro é superado, quiçá acertado.
O esquecimento lança a todos no oblívio, nada é aprendido ou consertado.

Às vezes te peço perdão. Mas desejo o esquecimento.

Sempre te perdôo. Por isso meu coração está carregado até o topo dos erros acumulados, meus e seus. Não há aprendizado, não há acerto entre as partes.

às vezes o melhor perdão é o esquecimento.

vagabundo

Eu não me encontro, perco meus dias a vagar,
Só tenho o conforto dos meus sonhos
O pesar de minhas pálpebras

Hoje, não tenho cama.

Não por desprezo do outro, mas por não poder ceder à pequena morte.
Tenho que vencer o cansaço, a dor que assola o ventre e a febre que se anuncia.

Há muito que fazer.

Mas a força se esvai e me rendo.
Curvo em mim mesmo e fecho os olhos.

O passado que retorna incomoda e assa a alma, não tolero a intromissão na intimidade.
O fel vem à boca e, súbito, anseio a rua, deve estar mais fresco na calçada.

Olho os olhos pequenos e ainda sem culpas, me vergo ante à responsabilidade.

Ponho para fora de mim aquilo que deveria ser meu, mas, apesar dos esforços, nunca.

Não há culpa. E eis que atravesso a grande água!

apresentação

Na volta dos anos, no rodar da terra,
Voltam as promessas, os futuros não cumpridos
No rodar na cama, no rolar dos lençóis
Nascem promessas, mentiras ou futuros gerados.

De quando em quando, de era em era,
Ao olhar para nós, ao tocar quem se ama,
Descartam-se os medos, desprezam-se as promessas

Fica só o desejo.