sobre o nada

Aos poucos me acostumo com outro lado da cama vazia, os silêncios na sala e os chinelos virados na entrada do banheiro, os sábados sem programa e os domingos sem a obrigação dos almoços em família.

Aos poucos me habituo com o acordar no meio da noite, com o despertador desregulado, com o choro convulsivo no chuveiro e a vontade de ligar para alguém pela manhã. Mas não ligo. Não ligarei.

Aos poucos me arranjo com os horários regulados do trabalho, com o almoço corrido de pé na cantina, a volta cabisbaixa para casa, a ausência de histórias interessantes para contar.

Aos poucos aceito a tristeza que divide meus dias com a euforia, o desânimo que se amiga com os sonhos e projetos irrealizáveis, a falta de energia vizinha do desejo libertino, o emudecimento irmanado de um tagarelar sem fim.

Aos poucos entendo que a vida não é do jeito que planejamos, do jeito que queríamos. Entrego. Confio. Aceito. Agradeço o nada.

É a única certeza.