Animal – 1991

Poema escrito há dez anos. Coloco aqui para me lembrar que nem tudo que foi passado é bom, mesmo que isso contrarie a lembrança boa do fato.

Aquela foda inesquecível não passou de um sofrível papai-e-mamãe gozado nas coxas, aquele show memorável era totalmente sem acústica e com uma banda desafinada, aquela boate duca era apertada suada e fedida, aquela meinina que você se apaixonou era desengonçada e brega (além de um pouco tapada).

Somente a experiência é que é indelével. A epifania que você passou no show, o gozo que pareceu eterno, o hype das luzes da entrada da pista de dança, a paixão pura e sincera, são os alicerces do teu prazer.

Quanto mais velho, mais chato e exigente, e mais distante o prazer de se deliciar com o papel de embrulho e não com o presente em si.

Segue a rima…

Na carne que rasga dói a alma,
aquece a fria lâmina, colorindo a água morna
Perfumando a morte.

A dor não acalma, agonia não termina
Apenas se transforma, brincando com a sorte

E a alma que agoniza
Não parte.

Fica.

Insiste em ocupar o corpo sem vida e sem calor.
Dando um brilho inumano aos seus olhos

Os pulsos partidos,
Estraçalhados,
Deixam as mãos pendentes.

E cada gota de sangue que se vai,
Atiça os demônios internos.

E há a fome.

Parece-lhe que os anjos haviam abandonado-o
mas o seu inferno é não aceitar sua condição sepucral

E a navalha caída
Bate no chão cantando:

– Fira, fêra, féra.

As frias feras feriam as faces
Rasgavam a pele
Em busca de alimento

As faces frias fingiam que eram feras
e feriam.

– Talvez tivesse sido melhor procurar razão na vida, ao invés de buscá-la agora.

Sentem aos poucos…
A rua as chamam…
A noite reclama o seu sacrifício
E elas partem!

O desejo lhes dominando, desejo de fome desejo de sangue desejo de sexo desejo da noite desejo da rua desejo da lua desejo do louco desejo do deus desejo incomunicado o delírioreprimido o destino desatinado odor entumescido a busca a corrida a loucura e a fome dominam machucam ardem ferem as feras frias e elas correm e correm e correm ecorremecorrem

e matam!

E a carne quente aplaca a loucura e as feras dão lugar aos homens.

Longa vida(?) aos canibais urbanos!!!

Pé de sonho
Mão de sol
Coração de vento
Cabeça de mel

Pé de sol
Mão de vento
Coração de mel
Cabeça de sonho

Pé de vento
Mão de mel
Coração de sonho
Cabeça de sol

Pé de mel
Mão de sonho
Coração de sol
Cabeça de vento

por Mario Pirata