Poema escrito há dez anos. Coloco aqui para me lembrar que nem tudo que foi passado é bom, mesmo que isso contrarie a lembrança boa do fato.
Aquela foda inesquecível não passou de um sofrível papai-e-mamãe gozado nas coxas, aquele show memorável era totalmente sem acústica e com uma banda desafinada, aquela boate duca era apertada suada e fedida, aquela meinina que você se apaixonou era desengonçada e brega (além de um pouco tapada).
Somente a experiência é que é indelével. A epifania que você passou no show, o gozo que pareceu eterno, o hype das luzes da entrada da pista de dança, a paixão pura e sincera, são os alicerces do teu prazer.
Quanto mais velho, mais chato e exigente, e mais distante o prazer de se deliciar com o papel de embrulho e não com o presente em si.
Segue a rima…
Na carne que rasga dói a alma,
aquece a fria lâmina, colorindo a água morna
Perfumando a morte.
A dor não acalma, agonia não termina
Apenas se transforma, brincando com a sorte
E a alma que agoniza
Não parte.
Fica.
Insiste em ocupar o corpo sem vida e sem calor.
Dando um brilho inumano aos seus olhos
Os pulsos partidos,
Estraçalhados,
Deixam as mãos pendentes.
E cada gota de sangue que se vai,
Atiça os demônios internos.
E há a fome.
Parece-lhe que os anjos haviam abandonado-o
mas o seu inferno é não aceitar sua condição sepucral
E a navalha caída
Bate no chão cantando:
– Fira, fêra, féra.
As frias feras feriam as faces
Rasgavam a pele
Em busca de alimento
As faces frias fingiam que eram feras
e feriam.
– Talvez tivesse sido melhor procurar razão na vida, ao invés de buscá-la agora.
Sentem aos poucos…
A rua as chamam…
A noite reclama o seu sacrifício
E elas partem!
O desejo lhes dominando, desejo de fome desejo de sangue desejo de sexo desejo da noite desejo da rua desejo da lua desejo do louco desejo do deus desejo incomunicado o delírioreprimido o destino desatinado odor entumescido a busca a corrida a loucura e a fome dominam machucam ardem ferem as feras frias e elas correm e correm e correm ecorremecorrem
e matam!
E a carne quente aplaca a loucura e as feras dão lugar aos homens.
Longa vida(?) aos canibais urbanos!!!