Das sextas-feiras

Minha querida e amantíssima filha,

Toda vez que começa uma segunda-feira eu imagino a sexta. Isso é um péssimo comportamento, eu confesso, mas é mais porque eu teimo em achar que a semana será uma longa escalada até a possibilidade de ir pra casa e te ver. Só que nem toda sexta-feira é uma Sexta-Feira Com Viagem. Às vezes a sexta apenas anuncia um alento para a rotina ruim e começa uma rotina gostosa de acordar mais tarde sem culpa, de ver o que está passando no cinema, pensar onde irei almoçar ou que livro difícil fingirei ler para manter a minha farsa de intelectual(óide).

A sexta também pode reservar uma baladinha (termo paulistano que curto, curto bastante) com amigas e amigos e reservar umas bocas alheias e pernas desconhecidas. Pena que, ultimamente, não tenho andado disposto nem para pernas nem bocas, mas ainda curto ver as pessoas deslizando num salão, fritando numa pista (pishhhta, como me caricaturizam os amigos paulistanos) ou um papo num boteco com amigos que falarão de amores desfeitos, projetos de nuvens, trabalhos frustrantes ou piadas sem graça. Na pior das hipóteses, as sextas me reservam um quarto quente, uma cama macia e um vazio que certamente irá ser preenchido por um novo amor, uma nova vida.

Pois essa é a única constante na minha vida, minha querida. Minto. Há a lembrança e vontade de voltar pro Rio e te cobrir de beijos, mimos e amores e ver que você está sendo bem criada por quem te cerca, mesmo que tenhas que navegar por mares de loucura, de implicância, de sufocamentos e outras agruras da adolescência. É uma época complexa, eu sei. Lembro-me bem dela, apesar da idade já comer os registros e só quando encontro os amigos da escola, retomar esses cantos obscuros da minha história.

Pois foi uma época de drogas, e descobertas. De amores jamais realizados (ou quase) e de erros heróicos, covardias históricas, uma grande época de não-eu. Quase tudo aquilo que eu jamais seria de novo fora desenhado li, querida. A adolescência foi um grande, enorme rascunho do meu eu hoje.

Tua adolescência é e será suave, assim torcemos, mas será ainda conturbada pela visão de quem a vive. Um ano, para nós que já temos vários no nosso estofo, é apenas doze salários + férias + décimo terceiro + bônus + aniversário. Um ano, para ti, é uma nova vida, uma lagarta, uma crisálida, uma borboleta, uma fênix. Uma por estação.

Lembro agora que eu tinha fixação em crisálidas quando tinha os meus dezesseis, dezessete anos, mas tergiverso.

O que eu queria dizer, minha querida, é que eu vou ficar por aqui enquanto você precisar de mim. E mesmo que não precise, eu fico de teimoso. Quero te ver desabrochar para o mundo até você não ser mais minha filha, não ser mais a filha do Zander, mas eu passar a ser o pai da Catarina. Título o qual ostentarei com o orgulho de um astronauta, de um titã.

Amo-lhe. Amanhã é sexta e eu estarei aí.

Do teu.

os fins

Minha querida e amada filha,

Existem algumas coisas que teimamos em não aprender, mesmo que a vida insista em nos empurrar a lição como uma mãe severa que nos proíbe o doce antes do jantar terminar. Uma dessas lições é a sabedoria do fim. Entender que o fim chegou é duro para quem o vê e é mais duro para quem o nega, para quem acha que ainda há sobrevida ante o cadáver manifesto. Negar o fim das coisas por vezes só esparrama o sofrimento por dias, semanas e meses e irremediavelmente machuca e fere todos os envolvidos no processo. Saber colocar o ponto final nas coisas é uma arte aprendida a duras penas. Saber ser colocado um ponto final numa história é uma maestria que ainda não domino mesmo na minha quinta década de vida.

Uma outra lição próxima dessa é entender o seu limite, saber até onde você tem energia ou disposição para chegar. Diz-se nesse mundo de auto-proclamados vencedores, que não se pode perder uma corrida, uma disputa, um argumento. Mesmo quem entrega os pontos o faz no intuito de uma vitória toda sua, impossível de ser dividida com quem te cerca. Saber dizer que “para mim chega” é um pecado maior que todos os arrolados pelas igrejas medievais, é uma invenção moderna exaurir-se até o último átimo de energia em prol de algo que – no longo plano da vida – nem sempre vale a pena ou significa algo para alguém. Uma coisa que eu aprendi é se o que fazemos não causa sorrisos ou torna a vida de alguém melhor, não vale a pena levantar da cama.

Tem uma terceira lição que é a de conhecer seus ciclos. Acho que, nesse caso, você teria mais a me ensinar que eu mesmo. Mas nós homens temos nossos ciclos próprios que pouco têm a ver com hormônios (ou não, vai saber) mas mais com as voltas de Saturno e as loucuras que cultivamos desde crianças. Os meus, amor, são tenebrosos e eu temo quando eles se aproximam. Eu acho que não aguentaria outra volta dos meus dezessete ou dos meus trinta e cinco. Não aguentaria passar dias em choro e sem vontade de ver o Sol. Não tenho mais a estrutura da casa ou o carinho dos próximos que me parecem mais e mais distantes a cada dia.

A última lição, querida, é a do amor. Essa eu não tenho como te ensinar mais que apenas te compartilhando minhas histórias, minhas lágrimas, minhas alegrias, meu olhar. Cada forma de amar é própria e egoísta e altruísta e serena e confusa e turbulenta e plana. Cada amor e amar é de um cheiro, um gosto, um desejo de forma diferente. Cada carinho tem um grito próprio e uma canção, uma cor e um local, uma roupa, um perfume, um desenho, um filme, uma história e nunca, nunca, nunca, nunca se repete.

Dito isto, estou cansado de fins, exaurido de estar o limite o tempo todo, morto de tanto amar.

te amo eternamente,

teu pai

textos prometidos para mim mesmo

tem um texto sobre o tempo e como aprendemos a ver o futuro
tem outro sobre o pai que eu quase tive
e mais um sobre os meus Deuses, os que eu acreditaria se teísta fosse.
mas tem uma preguiça de domingo que vem e vem e vem e fica.

esses textos ainda hão de haver.

soluções

que faço para tapar o buraco na alma
ou para remover o peso do peito?

a solução é atirar-me do nono andar
ou afundar num mar de álcool, pernas e barulho?

é rasgar chorando as fotos tiradas com sorrisos?
mas foto eletrônica não rasga, nem rasgam-se as memórias
só o choro cai e leva consigo o sono, a serenidade, a vontade de continuar

talvez seja solução fechar-me num casulo de autocomiseração e autopiedade
ou bradar ao mundo que não tem jeito, não tem volta, acabei para tudo e todos.
mas a manhã chega e rechega e a rotina vem aplainando as arestas dos sentimentos

é possível que meu medo não seja da perda ou da solidão,
mas da possibilidade de não mais sentir.

só queria que não doesse tanto assim. que fosse como febre, durasse três dias e tchau.

eu só queria parar de chorar um dia e dormir uma noite inteira
mas tem um fantasma que assombra, emascula, desmonta, desaba em mim
tem um fantasma que me diz ainda que me ama
e eu ainda acredito nele
e eu quero acreditar

como fazer para parar de chorar?

crescendo

sê forte, bebê, que essas lágrimas não caberão em ti
sê brava, criança, que esse coração é grande como o mundo
sê seco, garoto, que o mundo te inunda de decepções
sê duro, rapaz, que a vida há de te quebrar.

vire homem.