publicado na Tribuna da Imprensa
Não entendeu quando o telefone foi desligado, lá do outro lado da linha. Ficou um gosto ruim na boca, de algo incompleto. Uma goiabada vencida, sem o catupiry. Não teve opção senão aceitar os fatos e fechar a história. Olhou brevemente para as fotos do criado mudo, repousou o aparelho na baia de recarga e escolheu uma foto aleatória. Não era ela na cena do retrato, mas lembrou-se de quando passearam no parque, juntos, pela primeira vez. Havia um encanto, um élan que não era comum. Eram raros um para o outro e sabiam disso desde o primeiro momento.
Não era o primeiro fora que tomara nem seria o último. Nem por isso o sabor da rejeição estava mais doce. Era fel que lhe vinha à boca quando chegou em casa cansado da viração sem sentido nos bares e boates de Botafogo. Entrara na roda-viva de quem sofria as dores etéreas dos desamores da vida.
Novamente.
O álcool que vomitava em ondas contínuas era o que havia anestesiado o seu choro. E agora, ao vê-lo misturado com a bile negra, ambos expulsos com muito esforço, lembrou-se tristemente que essa seria a última vez que suaria por aquela mulher. Havia dado de si, o esforço do prazer mútuo, tal e qual um guerreiro que enfrentava as legiões por seus generais até o gozo derradeiro da sua amada. Tinha para si o mote que o prazer da parceira era o goal final, o sentido de sua dedicação. No entanto, suava para expurgar a dor e a frustração de um amor defenestrado. Só lamentava que tanto esforço não gerasse um sorriso no fim. Pois não há como sorrir quando o seu corpo expurga tanta dor. Afinal, aquilo não era um parto: era um aborto de um amor.
Passaram-se as semanas e a vida ditou novamente sua monocórdia melodia. As pessoas não tinham mais cores para ele. Eram chatas, medíocres e sem brilho. Mal sabia que ele estava apenas refletindo-se nos outros. Daí veio a chance. A menina estava disponível e queria revê-lo. Contrariando toda a racionalidade e as leis do amor próprio, foi encontrá-la. Nunca poderia dar certo.
Obviamente, não deu.
Chegou uma hora antes do combinado, escolheu a mesa ideal e escondeu a caixa de bombons. Conversou rapidamente com o garçom e já tinha em mente o que iria pedir para comer e beber. Não iria fazer feio. Checou insistentemente no celular chamadas perdidas e mensagens de texto. Faltando quinze minutos para a hora exata, ligou.
“Estou chegando.” Ela disse.
Sonhara meses com aquela voz em diversos tons. Principalmente dizendo uma frase em especial que ele repetira várias vezes, sempre com adendos desnecessários para disfarçar o fato que estava entregue completamente ao sentimento. Era de sua natureza apaixonar-se pela paixão. Não tinha jeito mesmo. Dez minutos de atraso e ela chega. Linda. De vestido vermelho e sandália baixa, de acordo com o figurino em voga na capital do império. Num segundo, ela destrói tudo.
“É estranho isso. Não te cumprimentar com um beijo na boca.” Ela sorri como se tivesse contado uma piada. Ele sorri como se o seu mundo interior tivesse desabado.