um sonho

A moça se levantou da cama e foi pro banheiro. A cama ainda era testemunha do calor da noite anterior, não havia se re-virginado para outra história. A cama, o sofá, os móveis (poucos) da cozinha, a tinta das paredes e os copos de bebida espalhados pela casa. Todos eram testemunhas do ato violento e selvagem que os dois cometeram repetidamente desde o cair da tarde.

A moça se levantou da cama e foi até o chuveiro. Os cheiros ainda impregnavam os ares a ponto dos perfumes da cômoda pedirem demissão e pensarem em suicídio. Nunca conseguiriam estar no nível daquela ebulição de sentidos e sensações. Ficaram empalidecidos e desbotados. Centenas de dinheiros jogados no lixo, dada a memória que nunca seria emulada novamente.

A moça levantou da cama e foi até a cozinha. Os pratos estavam empilhados há semanas e eles haviam se esquecido das menores regras de higiene. Comer tinha mudado de sentido e a cozinha passara a ser acessório, meio para um fim mais ruidoso e desbaratinado. Beber era apenas a pausa e o resto se olvidava entre gemidos e pedidos entrecortados pelas bocas e línguas de diversas nacionalidades.

A moça se levantou da cama e vestiu as roupas. Escolheu aquelas que ainda cabiam dentro de seu desejo, aquelas que revelavam o que pensava do mundo e refletia o que o mundo pensava dela. Atravessou a sala e a cozinha que ecoavam seus passos, fincados no assoalho duro. As horas ditavam ritmos e ela dançou a marcha matinal com a urgência de quem teria mais um capitulo de vida a escrever e poucas folhas sobravam em seu caderno.

A moça se levantou da cama e abriu a porta. A casa, vazia, já não comportava tantas memórias e nomes e cheiros e pedaços de vida que passaram ali. Olhou o rosto que não entendia o que estava acontecendo, mas aceitava e acolhia o adeus como parte da vida. Como parte essencial da vida. Como vida que se dá para que haja mais de si no mundo. Olhou o rosto e o desmanchou, retocando-o com a realidade matutina e a sabedoria de quem não tem medo de recomeçar.

um encontro

Olhei para o lado, no trem, e lhe vi. Fazia tempo que não nos encontrávamos ou conversávamos. Olhei para você, distraído com alguma coisa entre os pés, e pensei que poderia puxar um papo. Minha estação chegou e desembarquei sem atravessar o vagão e ir lhe cumprimentar. Mas você desceu junto e se alinhou ao meu lado, no caminho de casa, sem trocar palavras. Parecíamos desconhecidos, eu e você, mesmo com tantas décadas de convivência. Enquanto caminhávamos juntos, paralelamente, no fluxo de carne apressada que se desespera no caminho pra casa, lembrei que dividimos uma vida inteira e que aos poucos fui fechando as portas para a conversa, o afeto, a amizade. Neguei regularmente o amor que poderia ter surgido entre nós e o futuro que poderíamos ter tido. Não deixei de sentir uma pontada de inveja quando notei suas roupas bem passadas, a bolsa a tiracolo, o rosto animado e um brilho no olhar que há muito não encontrava por aí. Bateu uma nostalgia errada dessa história que não vivemos, dessa coisa toda que poderia ter acontecido. Pensei em apresentar os meus filhos e você me apresentar os seus, ainda que em foto, ainda que em palavras, ainda que em sentimento, falar dos nossos amores e aventuras, dos livros que andamos lendo, dos filmes que assistimos e do mundo que devoramos com nossa paixão. Quis comentar que estou de mudança (de novo, mais uma vez) e que volto pra terrinha com o coração apertado, sem saber — desta vez — se é o movimento certo, mas é o que é necessário para o momento. Quis também comentar da política, dos partidos, dos candidatos, dos movimentos sociais que tanto amamos mas que tenho evitado falar por medo do chumbo que está a se descortinar no horizonte. Pensei em puxar papo sobre a filosofia, a sociologia e as ciências que nunca aprendi direito mas amo regurgitar para as pessoas ao redor tentando impressionar os incautos e imaturos. Quis, na real, resumir a minha vida toda, desde que nos separamos há mais de trinta anos em um papo rápido num café ou num chope.

Quis. Não fiz.

Você se misturou na multidão assim que desembarcamos. Não levou nem cinco minutos. Afinal, você era um engano; um rosto parecido com o que eu carregava aos dezessete anos, mas melhor talhado e envelhecido. Um espelho ideal de mim mesmo que se desviou de mim quando parei de sonhar e sentir e me importar com o que fazia com minha própria vida e deixei a vida adulta ditar as regras e as modas.Caminhei cabisbaixo até o amanhã chegar.

breve (não-breve) pós-diálogo platônico

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Avenida Paulista (fonte: Estadão)

Conversando com uma amiga querida, queridíssima, entramos acidentalmente no assunto do ensino do pensamento crítico e do atual “estado das coisas”na sociedade brasileira. Gastamos boa parte da tarde discutindo os motivos e porquês do mal emprego disso enquanto andávamos na ensolarada e aprazível Avenida Paulista. Os céus azuis de São Paulo contribuem para o pensamento peripatético e aproveitamos o momento para entrar em questões essenciais da contemporaneidade depois de falarmos de coisas realmente importantes, como peguetes, lugares para jantar na cidade e os filmes em cartaz.

Sobre esse tópico, o da educação, passamos antes por diversos lugares-comuns como “a educação de outrora era melhor”, “a falta do pensamento crítico no ensino”, “as reformas do ensino nos governos militares” e “a postura superficial que as pessoas têm para com o mundo como um todo”, e, como chato (ou socrático, ou cínico, dependendo da orientação filosófica que esteja na moda), truco todas essas opiniões a priori. Até mesmo o ensino do pensamento crítico na escola, na escola pública, laica e gratuita. A minha crítica ao pensamento crítico (ou melhor, ao ensino do mesmo na escola) passa por um “naco” do Utilitarismo (o pouco que realmente concordo nessa escola de pensamento) e por uma análise da postura da intelectualidade média copacabanense-pinheiral.

***

Uma digressão rápida.

Me irrito bastante com alguns comentários que as pessoas fazem do mundo e com algumas posições “lacradoras” ou, no velho jargão, “palavras de ordem decoradas”. Acho que elas são vazias de significado e só servem mesmo para marcar território no teatro de guerra dos debates da internet (a rede mundial dos computadores). É a versão digital de riscar uma linha na areia e, como tal, é inevitavelmente rasa. Isto posto, gosto de provocar alguns conceitos. Como bom (cof!) cético, acho que a dúvida é a essência do saber; é o pavimento e estrada para uma construção mais interessante do lugar comum. Isto posto, contei uma situação “interessante” que me aconteceu recentemente.

Copiei uma matéria de um jornal no Facebook e fiz o destaque sobre a velocidade dos produtos “disruptivos” e a reposição dos empregos através da educação (na real, no treinamento da força de trabalho). A matéria (uma entrevista, na real) falava sobre a velocidade do ensino para recolocar os profissionais. Uma pessoa resolveu comentar apenas um ponto e ignorou todo o contexto da matéria, a introdução e o destaque. É como se alguém pegasse a Bíblia sagrada e só ficasse no Levítico (e, ainda assim, só na parte que lhe interessa, ignorando as proibições de tecido, comida e cortes de cabelo, os sacrifícios de animais e os tratamentos para lepra que lá estão) porque não lhe cabe o contexto por conta de seu viés (utilitarista, profissionalizante, mecanicista). O que é anti-viés ou contraditório, para alguns é ruim a priori.

Fim da primeira digressão.

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A amiga me perguntou sobre a tal da minha crítica ao pensamento crítico e eu resolvi ser chato… digo, socrático. Questionei os porquês e senões da tal crítica no ensino fundamental e médio e da real necessidade dos mesmos. Tenho minhas opiniões sobre esses pontos e provavelmente apanharia de metade do mundo acadêmico por conta delas (a outra metade iria pedir o meu Lattes e me desprezaria em seguida). O fato é que não sei se estou certo sobre o assunto, mas desconfio que esse não é o problema essencial da educação no Brasil e vale a penas sempre “sacudir a árvore” do lugar comum para ver que frutos caem de maduro e quais permanecem ali, amadurecendo. Felizmente uns caem de podre, sozinhos.

A questão crucial ante o pensamento crítico é que, dado um fato, podemos ter duas posturas possíveis (como tudo na vida): analisar criticamente ou não analisar criticamente o dado fato. Na primeira hipótese, precisamos sempre de formação e informação sobre o dado fato para fazer análises pertinentes sobre o mesmo. Sem ambas, o discurso fica inócuo e estéril. Cai no campo minado da opinião repetida e “lacradora”. Na segunda hipótese não se descarta a presença de formação e informação sobre o dado fato, mas o mais comum é serem apresentadas uma de-formação conceitual, uma desinformação factual ou a simples apatia, a falta de paixão, empatia ou simpatia sobre o tópico.

Por exemplo, se alguém me pergunta algo sobre o desempenho do Vasco da Gama no Campeonato Brasileiro de 2018, irei repetir o lugar-comum “Eurico deveria ser preso”, independente do desempenho dele como dirigente ou do resultado do clube nos certames do ano corrente, porque sou apático ao tema, pouco estou informado e sou deformado sobre futebol e esportes de uma forma geral. Ou seja, minha análise crítica inexiste. Só que, no fim do dia, mesmo que eu tivesse uma análise formada e informada sobre o desempenho do Vascão em 2018, ela de pouco valeria. Minha capacidade de analisar um problema e tirar conclusões e/ou soluções dele só vale na medida em que sou capaz de agir para resolvê-la efetivamente. Se não tenho o ferramental para colocar a análise em ação (olha aí o utilitarismo!), ela vira o equivalente a sentar numa mesa de bar, pedir dois chopes e resolver os problemas do mundo todo sem levantar a bunda de lá. É o que meus tios chamavam de “comunistas de botequim”, que faziam a revolução enquanto o boteco não fechava e seguiam a vida do jeito que ela é.

E é esse o ponto fundamental para mim: o que se faz com determinado saber ou ferramenta cognitiva. De nada adianta ensinarmos latim nas escolas se o método não apontar onde ele é “útil” (ainda que seja para melhorar a compreensão da construção da língua corrente); idem para matemática, língua portuguesa (análise sintática, sua linda!) e até mesmo a filosofia. Notem que o “útil” aí não entra numa função mecanicista, mas de finalidade ou de potencialidade. Estudar História é fundamental para entender os mecanismos sociais e econômicos atuais, mas reduzir esse ensino apenas a datas e nomes e movimentos é matar a árvore ainda na semente. O mesmo se aplica para a matemática, o latim, a filosofia.

O pensamento crítico - a crítica em si - é uma ferramenta poderosíssima mas quando reduz-se em si mesma, vira estéril, vira a Monsanto da mente: dá uma planta, um fruto, um resultado que não se multiplica, não vira ação ou fruto contínuos e isto é a antítese de si mesmo.

E, indo mais na raiz da coisa, é importante sublinhar que bilhões de pessoas (em todos os níveis produtivos da sociedade e todos os extratos de renda possíveis) vivem muito bem obrigado sem usar o pensamento crítico em (quase) nada das suas vidas. É como a história da Terra girando em torno do Sol. O fato de todo mundo achar que era o oposto não fazia ser verdade e tampouco a verdade alterou essencialmente a vida de todo mundo no primeiro momento. Somos apáticos àquilo que não nos move e tá tudo certo assim mesmo.

Tem mais um problema decorrente disso que é pressupor que o valor que damos ao pensamento crítico é infinitamente transferível para qualquer pessoa. Recentemente ouvi a máxima: “o ditador acha que sua felicidade é aplicável para todas pessoas sob seu governo“. Ela não poderia estar mais certa quando falamos sobre pensamento crítico. A maioria das pessoas não quer criticar tudo o tempo todo. Pior, não quer criticar nada em momento algum. E elas estão certas. A crítica - profunda, essencial - muitas vezes traz mais problemas que soluções; mais trabalho que descanso; mais angústia que felicidade. Em última análise, ao se impor o pensamento crítico numa sociedade é, talvez, condená-la ao desespero.

Mas é claro que também acho que o último problema do ensino no Brasil é a aplicação do pensamento crítico. Esse barco mal apareceu no horizonte, quiçá pensou em atracar no porto da realidade.

***

Na volta desse passeio, encarando o trajeto de metrô e trem, fiquei pensando no diálogo com a outra pessoa, a do comentário no texto do Facebook, e peço a todos que reconstruam o cenário imaginado. Me imaginem, platonicamente, numa mesa de bar e um duelo de ideias sendo travado entre nós (com plateia, claro; comigo vencendo, obviamente). O bom dos debates na nossa mente é que nunca pinta um argumento contrário convincente e a argumentação é sempre precisa, perfeita, irretocável. Na vida real a jiripoca pia de forma diferente e menos “plástica”que na nossa imaginação. Mas como aqui é o espaço para a ficção… começávamos com uma crítica ao movimento das bandeiras de esquerda como um todo.

***

Outra digressão.

A direita no Brasil está abaixo de qualquer crítica racional. O status quo brasileiro precisa de um banho de loja ideológico e intelectual antes de entrar em qualquer pauta de discussão e debate, mas os pontos de crítica funcionam em Chico e Francisco igualmente.

No debate da mente, eu afirmava que a totalidade do discurso atual dos setores progressistas da sociedade estava viciado em lugares-comuns que não haviam evoluído desde o tempo de movimento estudantil. É justo um adolescente ter um determinado discurso, mas é esperado um discurso diferente para quem entra na “melhor idade”. Quanto o discurso de direita, sequer saiu do tempo dos escravocratas e do capitalismo selvagem, pré-1900. Daí a energia gasta no processo. Melhora-se o que vale a pena, despreza-se o que já é sabido que não funciona, o que não tem conserto.

E não é questão de ser isentão ou ficar em cima do muro ideológico. Pelo contrário, é assumindo as discrepâncias, as incongruências e idiossincrasias de um discurso e consertando-as e ajeitando o curso que tornamos a fala mais robusta e intelectualmente mais consistente.

Fim da segunda digressão.

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Continuando, no debate mental pediu-se exemplos do problema do discurso da esquerda nacional passíveis de crítica e que apresentavam problemas de construção. Comecei com a tradicional análise do que é justo e injusto. Está em pauta a questão de um processo que é essencialmente injusto, segundo muitos e justíssimo, segundo outros. A discussão deveria necessariamente iniciar com o conceito do que é justiça e do que é injustiça (apresenta-se o argumento da distribuição das ferramentas para o exercício da justiça coletiva, geral) e concluía-se com a incapacidade de se aplicar infinita e indiscriminadamente uma justiça perfeita.

A justiça aristotélica, o equilíbrio entre dois males opostos, funciona na maioria das vezes para começar a normalizar o debate. E funciona bem para o modelo de direito moderno onde a lei deve ser uma norma passível de interpretação constante. A injustiça passa longe do direito e do estado de direito (que são coisas diferentes, como sabemos!), sendo mais afim do conjunto de normas morais que uma sociedade carrega consigo. A crítica é em achar que ambos são infinitamente aplicáveis e universais, desprezando a relatividade dos tempos e povos. Portanto, clamar por justiça ante uma aplicação injusta do direito pode - e deve - ser sempre escrutinável, mas nunca ser dada como certa ou segura.

Na sequência, falamos sobre a liberdade. Daí apresenta-se o rol de argumentos epistemológicos para demonstrar que a liberdade é uma ilusão. Não escolhemos onde nascemos, o gênero que nascemos, a língua materna, o tempo histórico e tampouco a classe social. E, mesmo dentro desses parâmetros de setup inexoráveis, não temos a capacidade cognitiva de fazer escolhas entre opções infinitas. Nosso motor de percepção e decisão é limitado, viciado com nosso histórico pessoal, limitado pela nossa capacidade de interpretação de signos e língua, facilmente manipulável por cor, sons, cheiros e texturas. Somos máquinas inconscientes e irracionais sob uma ilusão de racionalidade e liberdade dentro de um shopping center de vidas alternativas.

Há quem diga que estamos numa ditadura comunista, há quem diga que há censura em livros e jornais. Há quem não saiba o que é ditadura e censura e repete esses zurros a torto e direito, mas não deixam de ter alguma razão. O próprio conceito de liberdade variou durante a história do homem na terra e talvez estejamos num momento de desejo de hiper-liberdade, de transcender até mesmo os limites geofísicos que somos submetidos. Acho interessante e ver o limite desse processo é quase como acompanhar um filme de ficção científica acontecer na frente de seus olhos.

Depois entramos no tópico desigualdade. Onde um princípio de desigualdade poderia gerar progresso, como o princípio de “crescer o bolo para depois dividir” não é essencialmente errado (sua execução histórica é que deixa a desejar, mas é o que faz o modelo de aposentadoria atual funcionar; ou não) e que num projeto social essencialmente igualitário poderia descambar para a inação, a imobilização histórica e cultural. Claro que são conjecturas, mas relembro que estávamos num cenário simplório: a minha mente.

O ponto é que extremos são indesejáveis desde sempre. Tanto um achatamento quanto um abismo são indesejáveis hoje em dia, dado o modelo competitivo-colaboracional das empresas e da sociedade como um todo. No extremo, um torneio de futebol onde todos são premiados, independente da performance, pode diminuir a atratividade da competição em si.

Por fim, falamos sobre a própria esquerda e em como ela é incongruente historicamente falando; como é paradoxal e reducionista em sua prática média. Mas o trem chegou rapidamente à minha estação e não consegui ir mais a fundo no tópico. O que não fez falta, no fim das contas. Esse é o tema mais raso de todos eles.

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Outros autores e pensadores já apresentaram argumentos sobre os temas acima, em suas obras, de forma mais eficaz que eu jamais poderia pensar em fazer. Mas, no teatro da minha mente, os argumentos eram cristalinos e precisos. Dificilmente sobreviveriam a um escrutínio mais preciso, mas o ponto é que a justiça, a liberdade e o direito são, necessariamente, utopias e todo apelo às suas essências são inócuos. É como apelar ao modelo de sociedade atlante para servir de comparação para com a do Zimbábue.

O ponto final é que todos esses conceitos são utopias que devem ser usadas como referência, mas sem perder o contato com o real. Discutir a liberdade sem entender os seus limites; clamar por justiça sem entender sua aplicabilidade na realidade; urrar contra a desigualdade sem entender os somos e porquês ela se estabelece e, principalmente, até onde é aceitável um quantum de desigualdade, injustiça e escravidão (metafórica, por amor!) é transformar todo discurso em conversa de criança, pior: de adolescentes.

O pressuposto de uma conversa entre adultos - intelectualmente falando - é a consciência de que os modelos sociais são falhos, que os conceitos são mais nortes que fatos, que todo discurso é uma redução da coisa da qual se fala e que precisamos reajustar tudo a todo tempo pra chegar num movimento social mais produtivo e “justo” para todos.

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Relendo-me dá a impressão de um niilismo essencial, de uma inação sem fim, mas não é essa a intenção. Na verdade a ação é o ingrediente que falta nisso tudo aí em cima. A ação que vem a partir do entendimento que estamos - de fato - num limite de desigualdade econômica e social além do aceitável, mesmo entendendo que alguma desigualdade é até mesmo desejável; que a injustiça no estado de direito é institucional, quando deveria ser pontual, desvios de uma rota que pode e deve ser sempre reajustada, já que não é exata; que a liberdade é um conceito ilusório, mas é uma das mais belas ilusões que a humanidade desenhou para si mesma e deve ser perseguida como magna opus da nossa história na Terra e quando é cerceada, deve-se fazer uso de todo recurso possível para retomar seu lugar de direito na sociedade.

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E tudo isso começou com um incômodo. O incômodo de não pensarmos criticamente, por mais inútil que seja no nosso dia-a-dia.