O vazio não se preenche com sons ou sussurros

No caminho de casa, a rua desce em passos me lembrando dos amores rápidos e lépidos e frustrados. Foram muitos. Tantos que nem os consigo contar entre os passos do caminho para a casa. Os passos são memórias que insistem em me incomodar no caminho da rua para a minha casa. Às vezes pego o carro de praça para que essas memórias não me assombrem. Inútil. A memória não fica do lado de fora do carro de passeio. A memória é.

Ela é e meus fantasmas me seguem passo a passo.

Um passo (Angela, Marcela, Lara), outro passo (Julia, Luciana, Claudia), mais dois passos (Egle, Patricia, Libânia, outra Julia, outra Patricia, outra Marcela). Uma quadra, dez anos (Ana, Cláudia, Monica, Paula, Paula e Paula, Flávia, Cristina, Andreia, Inês), algumas promessas não feitas, alguns futuros perdidos, várias fodas adiadas. Duas ruas, casamentos, noivados, namoros (eu, eu, eu, eu).

Abro a porta da casa e estou só. Meus amores me trouxeram até aqui e me deixam só.

Finalmente minha concha alugada é minha, meus livros não lidos são só meus. As máscaras que enfeitam a minha sala compõem uma decoração perfeita para um farsante. As bebidas estrategicamente colocadas produzem a argumentação sexual necessária para um feio clássico, vintage.

Finalmente.

A casa é onde eu escondo o meu vazio, o meu espaço para mim mesmo. É onde me torno um vácuo das emoções, dos cansaços, dos planos e do sono. É onde a “máquina de moer gente” deixa de funcionar e o nada estrutural universal me dá tempo para entrar no oblívio entre as jornadas de trabalho. É o silêncio que preenche o meu vazio e me dá a noção – pela primeira vez em uma vida – de completitude.

O mal de querer

Catarina,

O querer, quando mal nascido, torna-se uma doença que corrói a alma, que queima a capacidade de agir e bitola a visão. O querer, quando mal parido, é algo que tira o viço do flanar, tira o gozo da espera e estirpa o contemplar do advir. Tudo passa a ser urgente, premente, insistente. Não existe outro tempo além do agora, do já, para o querer natimorto. É uma antítese do deleite e do desejo, é um motor vil que mói mentes e corpos.

Um outro tipo de querer mal nascido é o que consome a ti, minha filha. É o que devora suas entranhas e consome seus atos. Esse querer faz-te criar um mundo esimesmado onde suas fantasias são o alimento para um monstro devorador de almas, para uma ansiedade que dissolve ânimos, a exaustão já na largada da corrida da vida

Mas o querer quando bem cuidado desde a concepção, é o motor que faz as coisas acontecerem, é o que faz criar uma obra de arte, compor uma sinfonia, escrever uma saga ou atravessar o inferno de canto a canto só para ver a pessoa amada. Não há limites para a força do querer.

Ele é a força irresistível da humanidade.

Por isso temos que ter cuidado com o que queremos, como queremos e quem arrastamos na nossa torrente. É como se fôssemos tornados atrozes, tempestades históricas cuja ação altera vidas em cada gesto, em cada levantar de braços, em cada piscar de olhos, em cada frase dita pela metade, cada gesto mal ensaiado. O querer bem nascido vem com o gêmeo responsabidade a tiracolo.

É esse siamês que precisamos fazer crescer amiúde, alimentar com atenção redobrada, com danoninho e yakult se for necessário. Mesmo os erros que cometemos na vida têm de ser cometidos com responsabilidade e atenção para que essas lições sejam aprendidas. E mais, meu amor, só se aprende errando. E muito!

Do teu distante pai,