Ela procurou em vão um olhar conhecido na turba que pulava. Mal conseguia enxergar com aquelas luzes estroboscópicas e a escuridão repentina e os spots coloridos que insistiam em procurar o seu rosto. Catou um canto na penumbra, um caminho para o bar, um outro para o banheiro e lá ficou. Esperando um “alguma coisa” acontecer.
“Oi” – disse o dublê de Mario, do Mario Bros. – “Você não costuma vir aqui, né?” “Não.” “Quer um chope?” “Não bebo, obrigada.” “Pô. Te achei mó gata.” “Sei.” “Queria levar um papo contigo.” “Eu não.”
Saiu trôpego, meio bêbado, meio frustrado. “Onde vou arrumar uma gatinha para acordar junto? Já são 4h30…” “Oi.” – disse o rapaz esguio e esbelto, alinhado e fashion ao mesmo tempo – “Você vem sempre aqui, né?” “Venho sim. Mas hoje tá fraco.” “O DJ não tá mandando, né?” “Nem.” “E tá meio vazio. Normalmente aqui é um fervo só.” “É mermo. A essa hora taria impossível subir a escada sem alguém passar a mão na tua bunda.” “Pois é. Por falar nisso, posso te pagar uma bebida?” “Taí. Se não vou pegar ninguém, melhor encher a caveira.” “Não fale assim, você pode descobrir o amor onde menos imagina.” Tentou roubar um beijo entre a barba e o boné do George Lucas em miniatura. “Pô cara. Meu lance é mulher.” “Foi mal, me desculpa aí… é que você me lembrou meu ex.” “Tudo bem cara, mas pô, pega leve aí. Se fosse um jiujiteiro desses que vieram hoje tava te cobrindo de porrada.” “Eu sei. Se bem que eles não gostam daqui. Só os entendidos mesmo que vêm.” “Pô. Eu gosto daqui. As meninas são mais fáceis. Deve ser por isso que os caras tão freqüentando. Cara, vou lá. Tem uma me dando mole. Valeu!”
Ficou vendo o flerte indo ser dispensado mais uma vez. “Tem gente que não sabe quando a sorte grande bate à porta”, pensou. Rodou a sala e encontrou a amiga que não via desde que fora internada. Os pais a colocaram numa clínica. Era menor e tava com sujeira dentro da boate.
“O que você tá fazendo aqui, menina? Seus pais tão sabendo?” “Nem. Tô na boa. Não agüentava a fissura.” “Tu tá maluca. Acabou de sair da clínica.” “Não tô nem aí. Quero curtir e deixar um corpo magro e bonito.” “Vem comigo. Vou te levar para casa.” “Não quero, tô legal aqui.” “Legal porra nenhuma! Tá toda mijada!” “Ih! Pensei que era cerveja!” “Tá vendo? Nem sabe se quer ir ao banheiro mais! Vamos para casa agora! Tô de carro e te levo lá!” “Não quero. Tô com os meus amigos!” “Quem é teu amigo, menina? Quem te dá bala? Quem te dá teco? Algum desses putos foi segurar a tua mão quando você tava na falta? Tava lá estribuchando na casa da tua ex e liga pra quem? Quem é que vai te arrumar um frila, um teste de casting para pagar as tuas contas com os traficas? Vambora e é agora!” “Deixa só eu dar um beijo no menino ali e eu me vou contigo, tá?” “Tá bem, mas eu vou te buscar se você demorar, viu?”
Ela foi meio que arrastando, meio caindo até os puffs no fim da pista de dança e encontrou o “peguete” já em cima de uma outra menina. Ela se arrumou, tentou disfarçar a urina que já colava entre as coxas e reuniu o resto de brio que lhe sobrara.
“Já tá com essa aí? Nem me deu tempo.” “Tempo pra quê? Vai lá que você não tá se agüentando em pé. Vai com o teu amigo, vai. Não tenho aquilo que você quer.” “Cê tá maluco, queria só dizer tchau. Bonita a tua amiga. Eu vou. Eu queria. Eu acho que…” “Vai logo, some. Inté!”
Virou as costas e saiu.
“Não precisava ser grosso com ela” disse a menina, já acostumando com o cheiro de mofo e a fumaça de glicerina das máquinas “afinal ela tava contigo né?” “Tava. Não tá mais. Agora você tá comigo.” “Acho que não, viu. Não gosto de troglodita” “Aí! Sou grosso mas não precisa xingar!” “Me larga, eu vou embora!” “Vai nada! Ficou aí me tentando, agora só sai daqui depois que me der!” “Que dar o que, menino! Tá maluco?” “Vai dar sim, ou te quebro o braço!” “Ai! Tá machucando! Me solta! Me solta! Alguém me ajuda!”
Um baxinho cutuca o ombro do outro e, de dentro da barba, boné e camisa do Mage, sai um soco que nocauteia de prima o lutador. Sucede-se uma comoção brevemente abafada pelos seguranças. Fim de noite, barba e boné com a menina do início da história sentam-se no meio fio, em plena Siqueira Campos. Padarias abrindo, bares fechando, água suja no meio da calçada de pedras portuguesas. Ele, de olho roxo, ela ainda soluçando no colo dele.
“Não vou poder voltar aqui por um bom tempo. O imbecil deve ter marcado a minha cara.” “Tá doendo muito?” “Só quando eu respiro” “Sabe qual o melhor da noite?” “Não, linda. Não sei.” “É o sol nascendo.” “Em Copacabana, com certeza é.” “Tem o meu celular?” “Não. Dá aí.” “Tó.” “Te ligo?” “Claro. Beijo, é meu ônibus.” “Beijo.”