Rua Siqueira Campos, 143

Ela procurou em vão um olhar conhecido na turba que pulava. Mal conseguia enxergar com aquelas luzes estroboscópicas e a escuridão repentina e os spots coloridos que insistiam em procurar o seu rosto. Catou um canto na penumbra, um caminho para o bar, um outro para o banheiro e lá ficou. Esperando um “alguma coisa” acontecer.

“Oi” – disse o dublê de Mario, do Mario Bros. – “Você não costuma vir aqui, né?” “Não.” “Quer um chope?” “Não bebo, obrigada.” “Pô. Te achei mó gata.” “Sei.” “Queria levar um papo contigo.” “Eu não.”

Saiu trôpego, meio bêbado, meio frustrado. “Onde vou arrumar uma gatinha para acordar junto? Já são 4h30…” “Oi.” – disse o rapaz esguio e esbelto, alinhado e fashion ao mesmo tempo – “Você vem sempre aqui, né?” “Venho sim. Mas hoje tá fraco.” “O DJ não tá mandando, né?” “Nem.” “E tá meio vazio. Normalmente aqui é um fervo só.” “É mermo. A essa hora taria impossível subir a escada sem alguém passar a mão na tua bunda.” “Pois é. Por falar nisso, posso te pagar uma bebida?” “Taí. Se não vou pegar ninguém, melhor encher a caveira.” “Não fale assim, você pode descobrir o amor onde menos imagina.” Tentou roubar um beijo entre a barba e o boné do George Lucas em miniatura. “Pô cara. Meu lance é mulher.” “Foi mal, me desculpa aí… é que você me lembrou meu ex.” “Tudo bem cara, mas pô, pega leve aí. Se fosse um jiujiteiro desses que vieram hoje tava te cobrindo de porrada.” “Eu sei. Se bem que eles não gostam daqui. Só os entendidos mesmo que vêm.” “Pô. Eu gosto daqui. As meninas são mais fáceis. Deve ser por isso que os caras tão freqüentando. Cara, vou lá. Tem uma me dando mole. Valeu!”

Ficou vendo o flerte indo ser dispensado mais uma vez. “Tem gente que não sabe quando a sorte grande bate à porta”, pensou. Rodou a sala e encontrou a amiga que não via desde que fora internada. Os pais a colocaram numa clínica. Era menor e tava com sujeira dentro da boate.

“O que você tá fazendo aqui, menina? Seus pais tão sabendo?” “Nem. Tô na boa. Não agüentava a fissura.” “Tu tá maluca. Acabou de sair da clínica.” “Não tô nem aí. Quero curtir e deixar um corpo magro e bonito.” “Vem comigo. Vou te levar para casa.” “Não quero, tô legal aqui.” “Legal porra nenhuma! Tá toda mijada!” “Ih! Pensei que era cerveja!” “Tá vendo? Nem sabe se quer ir ao banheiro mais! Vamos para casa agora! Tô de carro e te levo lá!” “Não quero. Tô com os meus amigos!” “Quem é teu amigo, menina? Quem te dá bala? Quem te dá teco? Algum desses putos foi segurar a tua mão quando você tava na falta? Tava lá estribuchando na casa da tua ex e liga pra quem? Quem é que vai te arrumar um frila, um teste de casting para pagar as tuas contas com os traficas? Vambora e é agora!” “Deixa só eu dar um beijo no menino ali e eu me vou contigo, tá?” “Tá bem, mas eu vou te buscar se você demorar, viu?”

Ela foi meio que arrastando, meio caindo até os puffs no fim da pista de dança e encontrou o “peguete” já em cima de uma outra menina. Ela se arrumou, tentou disfarçar a urina que já colava entre as coxas e reuniu o resto de brio que lhe sobrara.

“Já tá com essa aí? Nem me deu tempo.” “Tempo pra quê? Vai lá que você não tá se agüentando em pé. Vai com o teu amigo, vai. Não tenho aquilo que você quer.” “Cê tá maluco, queria só dizer tchau. Bonita a tua amiga. Eu vou. Eu queria. Eu acho que…” “Vai logo, some. Inté!”

Virou as costas e saiu.

“Não precisava ser grosso com ela” disse a menina, já acostumando com o cheiro de mofo e a fumaça de glicerina das máquinas “afinal ela tava contigo né?” “Tava. Não tá mais. Agora você tá comigo.” “Acho que não, viu. Não gosto de troglodita” “Aí! Sou grosso mas não precisa xingar!” “Me larga, eu vou embora!” “Vai nada! Ficou aí me tentando, agora só sai daqui depois que me der!” “Que dar o que, menino! Tá maluco?” “Vai dar sim, ou te quebro o braço!” “Ai! Tá machucando! Me solta! Me solta! Alguém me ajuda!”

Um baxinho cutuca o ombro do outro e, de dentro da barba, boné e camisa do Mage, sai um soco que nocauteia de prima o lutador. Sucede-se uma comoção brevemente abafada pelos seguranças. Fim de noite, barba e boné com a menina do início da história sentam-se no meio fio, em plena Siqueira Campos. Padarias abrindo, bares fechando, água suja no meio da calçada de pedras portuguesas. Ele, de olho roxo, ela ainda soluçando no colo dele.

“Não vou poder voltar aqui por um bom tempo. O imbecil deve ter marcado a minha cara.” “Tá doendo muito?” “Só quando eu respiro” “Sabe qual o melhor da noite?” “Não, linda. Não sei.” “É o sol nascendo.” “Em Copacabana, com certeza é.” “Tem o meu celular?” “Não. Dá aí.” “Tó.” “Te ligo?” “Claro. Beijo, é meu ônibus.” “Beijo.”

What is Your World View?

You scored as Postmodernist.
Postmodernism is the belief in complete open interpretation. You see the universe as a collection of information with varying ways of putting it together. There is no absolute truth for you; even the most hardened facts are open to interpretation. Meaning relies on context and even the language you use to describe things should be subject to analysis.

Postmodernist

100%

Materialist

88%

Cultural Creative

75%

Existentialist

75%

Modernist

63%

Romanticist

38%

Idealist

38%

Fundamentalist

13%

What is Your World View? (corrected…again)
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uísque e chope

Eram apenas os dois no bar. Ela queria acabar com tudo e ele sabia disso desde o momento que ela lhe ligara dizendo que precisava ter uma “conversa definitiva” sobre o relacionamento. Disse que topava, mas se arrependeu no dia seguinte. Se enrolasse mais uma semana, pensou, ela esqueceria tudo e voltaria ao que era antes. Estava se enganando, meio consciente, meio tentando se agarrar à última nesga de esperança. Afinal de contas, não esperara dezessete anos para ter a primeira noite de amor à toa. Lutaria até a última gota de saliva para tentar manter o sonho em carne.

Chegou uma hora antes do combinado e começou a beber esperando e repassando tudo que iria dizer. A cada dose de uísque, a estratégia mudava. Na sexta dose, decidira rasgar as veias e dizer: “sem tu, sou nada.” Muito dramático e sabia que, apesar da dor da perda, sobreviveria. Afinal de contas, era o tempo ao seu lado. Ela não caíra em si e descobrira que ele era o cara certo para ela. O único que a amara incondicionalmente. Pois é. Ele jogaria tudo isso na cara dela e não haveria argumentação contra. É TPM, ela realmente te ama, cara. Você foi perfeito, apesar das duas broxadas e de nunca se lembrar do nome da irmã dela. Aliás, que irmã…

Ela entra. Todos no bar param e a olham. Ela é linda. Não tem jeito mesmo. Você foi feito para ela e como ela não pode se tocar disso? Puta que pariu! Ela tá linda.

“Oi.” “Oi.” “Senta aí.” “Brigada.” “Você quer um chope?” “Pára. Você sabe o que eu quero conversar contigo.” “Não sei. Só imagino.” “Cara, não dá mais para continuar assim. Você sabe que entre mim e você não tem mais nada. É um erro termos tentado algo depois de todo esse tempo.” “Mas você não pode negar que foi bom enquanto durou.” “Não foi.” “Mas não era o que parecia. Você tremia a meu toque, virava os olhos quando eu te deitava e te amava.” “Sou sinestésica, cara. Você sabe disso. Gozo com o sacolejar do ônibus.” “Mas você sabe que eu sempre fui apaixonado por ti.” “Eu sei. E é por isso que temos de parar por aí. Eu gosto de ti. Mas nunca te procurei. Nunca te procurei por dezessete anos. Não foi à toa, né.” “Eu sei, mas.” “Mas nada. Não dá. Tentamos, e tal. Você tentou, é verdade. Perseverou por esse tempo todo, eu sei, é um herói. Mas não dá mais. Não sou a mulher para ti.”

Ele se lembrou dos tempos do colégio.

“Mas você não entende. Eu te.” “Não fala. Vai ser pior pros dois.” “Mas eu.” “Quando um não quer, dois não se beijam.” “Mas eu te beijei. E muito. E você gostou. E quis mais. E pediu que eu fosse teu homem. E eu fui. Eu era antes de você me pedir que fosse. Antes mesmo de nascer. Mas você quis escutar os outros. Não me deu nem a chance do não. Eu te dizia que ‘nunca acaba’ mas você nunca acreditou em mim. E aqui estou eu, rasgando minhas veias na tua frente. Abrindo o core e derramando uma mágoa e um desejo que nem são mais meus.” “Eu sei. Mas é assim que as coisas são. Te disse uma vez que, se mandasse no meu coração, me apaixonaria por ti. Mas não rola. Não te amo. Não te quero. Já até te esqueci.”

Nos sonhos ela vinha de camisa branca e calças jeans. Batom vermelho. Cabelos negros (com um fio ou dois brancos já na adolescência). Pele alvíssima, apesar da praia.

“Me deixa ser teu amante, teu capacho, teu brinquedo. Quero apenas estar na tua sombra, te acompanhar à baia.” “Não, cara. Você merece algo melhor.” “Não quero algo melhor. Quero você.”

Um chope. Outro uísque. O primeiro esquenta no copo enquanto o outro some como se evaporasse salgado.

“Não chora, vai.” “Como não chorar?” “Eu sabia que isso tudo era um erro.” “Eu vou ficar legal, tá?” “Vai mesmo?” “Claro que não, porra! Eu te amo, caralho! Você já amou alguém nessa tua vida? Amou mesmo? De verdade? Porra, você não sabe o que é amar à vera. Amar incondiconalmente, saca? Tá certo, eu sei que sou um platônico. Que amo mais o amor e a paixão que as pessoas em si, mas é em você que eu depositei as minhas fichas. Muita gente tem medo do jogo da vida, mas eu aposto em ti tudo que eu nem posso arcar e você vem do nada e diz que é isso: beijo e tchau?” “Você sabe que não é do nada. Tenho bons motivos para isso.” “Ah é? Que motivos?” “Você sabe melhor que eu.” “Sei nada.” “Pára e pensa.” “Nada a ver isso. Babaquice tua.” “Babaquice? Você cantou minha irmã, seu filho da puta.” “Eu tava bêbado.” “E daí?” “Ela me lembra de você quando bem nova, quando te conheci.” “Pois é. Você é apaixonado por aquela menina secundarista, tímida, reprimida. Eu cresci, porra! Já sou uma mulher!” “Uma mulher linda.” “E você canta a minha irmã!!” “Eu disse que estava bêbado.” “Explica, mas não justifica.” “Eu sei. Me perdoa.” “Posso até perdoar sim. Mas não rola mais. Acabou o tesão. Acabou.”

Numa festa ele disse a ela: “Eu te amo.” e ela riu. Estava bêbado, como sempre, mas nunca tinha sido tão sincero na vida. Meses depois ela disse a ele: “Isso não acaba?” ele disse: “Nunca acaba, menina. Nunca acaba.”

Ela se levanta, tira da carteira cinco reais e deixa para pagar a conta. Ele já é só lágrimas. Ela dá as costas, contendo o choro e o desejo de beijá-lo. Pena é um sentimento horroroso, mas ela não consegue evitar. Afinal de contas, em um outro mundo eles teriam se conhecido no colégio, ele teria pedido permissão para namorar e os pais dela teriam consentido. Talvez tivessem casado aos vinte e poucos e teriam três filhos. Morreriam aos noventa. Ele primeiro, ela dois meses depois.

“Adeus.”

Ela saiu. Ele ficou duas horas olhando o copo vazio com o gelo derretendo.

EU TE AMO, PORRA!” Gritou entre os bêbados do bar em Santa Teresa.

Nunca acaba.

Mesmo.