Às vezes eu apareço por aqui

Novamente envolvido em planos de dominação global (ou apenas tentando quitar os meus cartões de crédito) me encontro numa situação muito esquisita a respeito do trabalho.

N’A Empresa, tenho um salário razoável (excelente, se comparado à média nacional; ridículo, se comparado à minha necessidade de consumo), uma estabilidade razoável (enquanto os sistemas de comunicação sem fio não migram para A Cidade Eterna, dada a (in)competência dos Imperiais) e quase nenhum, repito: QUASE NENHUM, trabalho.

Conseqüentemente, eu deveria estar tocando dez projetos e vinte frilas ao mesmo tempo, certo? Errado!

Os frilas aparecem sazonalmente e são dores de cabeça em potencial pois, ora são relativos a programas que não tenho (nem posso ter) no trabalho ou são hiper-ultra-poderosamente secretos que não devem ser revelados fora do banheiro da área da cozinha.

Os meus projetos pessoais incluem estudo em línguas esdrúxulas (PHP, MySQL, MUMPS, ALGOL, LISP, FORTRAN, Latim ou Gaélico), gastos extraplanetários (comprar uns livros, um domínio, um apartamento, iates, mansões) ou apenas disposição.

E é nesse último ítem que tenho pecado mais capitalmente.

Eu tenho andado broxa para tudo cujo esforço não gere um prazer imediato, instantâneo. Se está dando um pouco de trabalho, deixo de lado, não tenho mais tesão e vontade sequer de olhar.

Por isso estou carregando livros das línguas supracitadas por mais de cinco meses, de casa para o trabalho e vice-versa. Mal consigo lê-los, sequer estudar, menos ainda colocar em pática o conhecimento não adquirido.

A última coisa que consegui realizar foi renovar esse meu blog velho e cigano mas, o impulso inercial que me motivou a escrever um bocado, está se exaurindo e, aos poucos, volto a ser consumido pelo processo tecnocrático, burocrático, de 9 às 19, acordar cedo, dormir idem, pensar pouco e fazer menos.

Aos poucos fico mais e mais medíocre. E acho que estou pouco me fudendo para isso tudo.

De fato, de que me serve a Filosofia, a Ciência, a Literatura, as Artes, o Cinema, a boa cultura e formação, a minha Autodidaxia, a capacidade de MultThreading se o que me é exigido é apenas a hipocrisia de um corpo presente?

De que serve a capacitação tecnológica, o conhecimento de mercado, o domínio das ferremantas de marketing, a consciência crítica e analítica de produtos desenvolvidos (ou a desenvolver) se o que pedem de mim é preencher planilhas, desfazendo o trabalho de outrem, de automático para analógico, de inteligente para imbecil e, daí, para idiota?

De que me serve a capacidade de transformar ATP em ADP se o produto do meu suor é inócuo? Não gera sequer memória.

Vou lá bater o cartão do almoço. Ah! nem me pagam hora extra.

Eu já fui moderno, e não sabia

Dos meus 15 aos 18 anos eu usava cabelos compridos, caídos na cara, clone de Robert Smith ou algo assim; preto na roupa sem marcas, nomes ou dizeres; era barrado repetidamente no Crepúsculo de Cubatão e na Ilha dos Mortos, mas pogava no Caverna e no Circo Voador; programava em casa num TK85, depois num MSX e, no trabalho, num Cobra 350, depois num Medidata 2001; ouvia discos de bandas importadas esquisitas, compradas em sebos, como INXS, Cocteau Twins, Depeche Mode, Sisters of Mercy, Jesus & Mary Chain, Joy Division, e de umas bandas importadas conhecidas: The Cure, Siouxsie and The Banshees, New Order, Led Zeppelin, Scorpions, Sex Pistols, PIL e muitas outras mais.

Do Brasil muito e pouco. Basicamente rock e, convenhamos, tinha muita coisa ruim na época e, sinceramente, não dava a menor bola para isso. Perdia horas desenvolvendo teorias da evolução do estilo pop-teatro da Blitz nos três discos, da raiz hardcore dos Titãs no segundo disco — Massacre ainda é uma das músicas mais fortes do rock nacional — e gastava boa parte da minha semana limpando os vinis e ouvindo com deleite todas os meus discos, um a um, em ordem alfabética. Um método e disciplina que apliquei para muito pouco na minha vida inteira. Não havia o RPG ou — imagine! — o sexo.

Antes do visual gótico (dizia-se “dark” na época) eu era um proto-maurício. Camisas para dentro das calças, cintos, gravatas de croché, mocassins, camisas sociais (nunca camisetas) de manga comprida, calças semi-baggy ou de linho. Não adiantava. Nunca peguei alguém assim.

Bom, “navegando” nas rádios interessantes da época, Fluminense FM, MEC FM, JB FM e, a grande injustiçada de todas, a Estácio FM, eu corria atrás de programas que me mostrassem bandas novas, sons diferentes, algo que eu não escutasse todos os dias na rua ou na loja de discos na frente do meu prédio. E nessas rádios fui apresentado a Hojerizah, Picassos Falsos, Legião (pois é…), Finis Africae, Escola de Escândalo, Arte no Escuro, Nau, Violeta de Outono, Muzak, Ethiopia, e MUITOS outros mais.

Mas, eis que esperando a transmissão de um show do Ira!, eu escuto uma música, uma tal de Ladeira da Memória, do Grupo Rumo. E tudo fez sentido. Quiz-me paulista, adulto, bonito, in.

Cresci, odiei Sampa, quando lá estive e, se não fiquei bonito, parei de asssutar as crianças na rua. Então alguém me explique o porquê das lágrimas me virem à tona quando escuto essa canção?

e assim se passaram sete anos

“Zander, sobe que tem recado para você!”

Subi as escadas correndo, do sub-solo, onde tomava um café expresso no restaurante japonês, até a sobre-loja, onde trabalhava no Bureau. Estava na minha hora de almoço, evento por si só bem raro, dada a natureza caótica e feroz do meu antigo emprego.

“Tua mulher ligou, disse que está com quatro centímetros de dilatação e a médica já a encaminhou para o hospital.”

“Ela está no consultório? já pegou um táxi? o que mais ela disse?”

“Ainda está no consultório, mas disse para você ficar tranqüilo, ela está bem e indo para a maternidade.”

Desci pro sub-solo, avisei ao chefe que chegara a hora. Parti, correndo, para a Avenida Rio Branco e peguei primeiro táxi que passava. Besteira minha. Melhor ter pego o metrô. Eu saltaria a quatro quadras do consultório e a doze do hospital.

Toca o celular (emprestado, é claro! celular era coisa cara. aliás,! ainda é!).

“Zander. Cheguei no hospital, vou para o quarto…”

Interrompo-a.

“Me espere aí! Não ouse subir sem mim.”

“Não, mané! Passa em casa e pegue as minhas coisas. Trouxe algumas roupas já esperando, mas deixei as minhas mudas de roupa.”

“Ok. Pera! Ok não! Vou para aí. O negócio deve demorar um bocado, então peço à minha mãe para pegar as coisas. Além disso, é ela quem vai ver o parto mesmo. Você sabe que eu desmaio nessas horas…”

“É. Eu sei. Então vem prá cá que a Eliana está ‘dando entrada’ aqui.”

“Ok, ok e ok.”

O carro se move com a letargia típica de uma quarta-feira, meio-dia, no centro do Rio de Janeiro. Parece que nunca vai sair da.. opa! ganhamos o Aterro do Flamengo e partimos para Botafogo. Puta que pariu! Botafogo engarrafa sempre. Que merda! Não vai dar tempo! que bosta… opa! chegamos na Mena Barreto! agora é só um pulo.

Pago. Saio. Desço. Encontro.

“Oi. VOCÊ TÁ LEGAL?”

“Calma, Zander. Tô bem sim.”

“E as contrações?”

“Eu achava que eram gases. Tá bem fraquinho mesmo.”

Daí, foi internação. Banho. Limpeza interna. Minha mãe chega. Combinamos todos no quarto que a Mãe iria ver o parto, que eu não iria. Que estava certo e tal. Chega a enfermeira:

“Está pronta, mãe (a que iria parir, não a que iria acompanhar)?”

“Tô sim. Vamos.”

“Está pronto, pai? Você tem de vestir a roupa.”

Pois é. Assim como as mulheres têm um firmware instalado que as fazem saber *tudo* o que se relaciona a bebês, no momento que eles nascem, algo em mim brotou. Algo inédito, coisa que nunca havia sentido antes. Acho que foi coragem. Ou burrice, dá na mesma.

“Tô sim. Vamos.”

Mãe e a Mãe se olham. Não senti pingo de confiança vindo desses olhares. Com a coragem (ou privação temporária dos sentidos) que recém recebera, parti para A Roupa Verde e A Máscara.

Daí, espera. Mede dilatação. Espera mais um pouco. Mede de novo. Um “é, acho que já dá” seguido de um “dá a injeção antes”. Injeção? É, injeção. Ok ok ok ok. Não vou desmaiar.

Não era injeção. Era uma agulhinha de nada, coisinha à toa.

“É só isso?”

“Não. Essa é só para preparar para a peridural.”

“Ah! bom.”

Quando o anestesista saca o trabuco. Péra! Você não leu direito. Era um TRABUCO! Se fosse uma pica, seria o Long Dong Silver. Quando o anestesista saca o trabuco, eu começo a ver o mundo girar. O pediatra, que sabiamente se posicionara a meu lado, me dá um “abraço” de apoio. E eu NÃO desabo! U-hú! Deixa eu sair daqui correndo!

“Sabe que a maioria dos pais sempre desmaia quando a mulher toma a peridural?”

“Verdade?”

“Não. Mas quis apenas te consolar um pouco.”

“Mesmo que um pai desmaie, não dá muita dor de cabeça aos médicos, né?”

“Nem. Só teve uma vez que um cara caiu na mesa de instrumentos e se cortou todo. Mas foi só uma vez.”

Nota mental: ficar LONGE da mesa de instrumentos. Como assim instrumentos. Burro! vão cortar a Mãe toda e depois costurar de volta. Eca!

Bom. Lu não pode mais ficar de pé. Mas não tem dilatação suficiente. A obstetra me expulsa do quarto de espera e fecha a porta.

“Acho que estão amarrando um pedaço de ferro no pé da cama e mijando na porta enquanto acendem umas velas no corpo.”

“Hein?”

“Nada, deixa. Tô uma pilha.”

“Você fuma?”

“Não.”

“Pena.”

Todos os quatro médicos auxiliares fumavam. E estavam vendo novela. E um deles dormia. Filhos da puta. Sem consideração. Sem empatia. Ainda me davam tapinhas nas costas. Parecia que eu era um estagiário ou uma forma ainda mais baixa de vida.

Pronto. Tava na hora. Mesa de operações, ou de parto, ou de eutanásia. Não sei. Tudo igual nessa hora. A mãe começa a fazer força. Muita força. E berra. Mais que o normal. Menos que a vez que eu deixei-a esperando umas seis horas em casa enquanto fui tomar um pileque com o pessoal do trabalho. Menos ainda que quando eu gastei uns 500 dólares em figurinhas de Magic, the Gathering, coleção The Dark, esgotada, uma caixa fechada. Mas ainda berrava muito. O médico faz um “rolo de massa” com o braço esquerdo e pressiona dos peitos para as pernas, como se espremesse a criança para fora. A Lu berra ainda mais e a cabeça começa a aparecer. Já era Catarina.

Dez minutos (se tudo isso) depois, nasce a baixinha inteirinha. Pequena, imunda. Nojenta mesmo. Mas linda. Nem enrugada estava, mas ainda parecia um joelho. O joelho mais amado da face da Terra. Me a colocam no colo. Ela nem chora (já haviam limpado-a com um aspirador de melecas placentais). Opa. O que acontece atrás de mim? Outro parto? ah! é a placenta. Puta que pariu! é outro parto… Bom.. ao menos o pessoal pode puxar com menos delicadeza.

“Zander deixa eu ver… Você contou os dedos? ela tem dez dedos?”

“Claro pô! Você acha que eu sou o Homer Simpson? (hoje, mais careca, gordo, burro e atolado, eu penso se isso não foi uma profecia) Tá com dez dedos sim! Olha só.. é linda… e nem é um joelho.”

Levamos a baixinha para a estufa, ou caixão da Branca de Neve, como eu prefiro contar à ela. Eu e o pediatra que fez o teste do pezinho.

“Você tem filhos?”

“Quatro.”

“E você viu o parto de todos eles?”

“Lógico, né? Economizei uma grana… rs”

“Mas não enjoou no quarto?”

“Não. Chorei em todos eles.”

Da estufa, os avós, do outro lado do vidro davam adeus.

Fomos pro quarto. Lu dormiu. Eu acho que chorei um pouco. Mas guardei a lembrança desse dia, bem calada no peito. Abro só um pouquinho, quando chega essa data. Ou quando acho que nunca fiz nada direito.

Catarina, não sei se você um dia lerá isso, mas agora faz sete anos que eu me senti uma pessoa melhor, maior e mais humana. Você agora tem os dentes moles, caindo aos poucos, e outros tomarão o lugar deles (espero!). Nesse quarto de Saturno, você saiu da infância-bebê e vai começar a, cada vez mais rápido, virar gente grande. Vai ser uma pré-adolescente, uma adolescente (que invenções bestas da nossa sociedade), uma jovem adulta e uma mulher. Mas não deixará nunca de ser o bebê que eu coloquei no colo, nos primeiros momentos de sua vida.

E eu te amo.

Beijos, do pai (que não desmaiou!!)

Paradigm Shift

Para a maioria dos seres humanos, chega um momento inevitável que é o de trocar todas as estruturas de relações que estabelecemos nas nossas dezenas de estações vividas. E é uma situação esquisita, uma verdadeira “troca de paradigmas”, ou melhor, reaplicação dos sintagmas que forjamos sob muita troca de ATP por ADP, desde a tenra infância até a idade adulta, para a maioria dos seres humanos.

Num determinado momento, você deixa de ser apenas uma criatura egoísta e mesquinha, vil e torpe, referenciado por todos como “aquele cuja sombra faz crianças chorarem” ou “o terror dos corações das meninas” ou ainda “a detonadora de zíperes do marketing”, para ser a mesma criatura torpe, vil, mesquinha e egoísta, mas com um adendo que muda tudo: “pai (ou mãe) de cicrano (ou beltrana)”.

É aí que se dá a maior revolução estrutural possível numa mente madura e adulta. Chego a crer que essa é a prova iniciática definitiva para o mundo de gente grande. Tudo até então era ensaio e bazófia, agora, as cores que regem a vida são de tom pastel (ou rosa, no caso de pais de meninas com seis anos ou mais).

A revolução começa (mas não se limita) nos termos que passam a ser empregados no dia-a-dia real. É claro que você mantém a sua identidade, mas todas as relações familiares trocam de nome. Seu cônjuge passa a ser a Mãe ou o Pai; seus irmãos, os Tios; seus pais, os Avós; seus cunhados, os Tios (cunhado não merece título diferenciado); seus sogros, Avós (Os Outros Avós) e, se você bobear, seus amigos são automaticamente agregados ao seu núcleo familiar com o título genérico de Tio ou (o horror!) Dindinhho.

Nessa passagem, é normal que os pais se sintam um tanto quanto desconfortáveis quanto à forma de tratamento. Leva um tempo até que se habitue a chamar a sua progenitora de Vó ou, em casos mais raros, sua avó de Bisa. Faz-se isso tanto para não confundir a criança (que não tem culpa de tanta nomenclatura familiar) quanto para encarnar na sua mãe que dizia que era muito nova para ser avó ou no seu irmão que se recusa a ter sobrinhos: “Só tenho primos!!”. Chistes apropriados para essas ocasiões são: reforçar àquela cunhada solteirona e mal-apessoada a alcunha de tia — “Querida, dá um beijo na sua tia e pergunta quando ela vai te arrumar um priminho para você brincar…” — e jogar um neologismo como “prima-avó” para aqueles parentes mineiros distantes que você nunca dominou a linha de parentesco.

Alguns revezes inevitáveis: o cunhado passa, definitivamente, a ser um membro da família; você terá de aturar a figura do “padrinho”, cara que aparece no batismo completamente encachaçado, canta sua irmã e só aparece no aniversário de quinze anos de tua filha, com a pior das intenções. Uma maneira de contornar isso é transformar o cunhado em padrinho. Se você tiver sorte, ele aparecerá apenas no batismo (encachaçado ou não) e na festa de quinze anos da tua filha. Na pior das hipóteses, você resume dois chatos possíveis em um inevitável.

Mas esse processo acontece na infância dos teus filhos. Tudo piora quando chega a adolescência e, principalmente, a pós-adolescência, quando todas as pessoas interessantes (leia-se aqueles projetos de semi-deuses e semi-deusas que são os colegas de seus filhos) te referem como “pai” ou “mãe” de fulano. Pior: tio!