“Zander, sobe que tem recado para você!”
Subi as escadas correndo, do sub-solo, onde tomava um café expresso no restaurante japonês, até a sobre-loja, onde trabalhava no Bureau. Estava na minha hora de almoço, evento por si só bem raro, dada a natureza caótica e feroz do meu antigo emprego.
“Tua mulher ligou, disse que está com quatro centímetros de dilatação e a médica já a encaminhou para o hospital.”
“Ela está no consultório? já pegou um táxi? o que mais ela disse?”
“Ainda está no consultório, mas disse para você ficar tranqüilo, ela está bem e indo para a maternidade.”
Desci pro sub-solo, avisei ao chefe que chegara a hora. Parti, correndo, para a Avenida Rio Branco e peguei primeiro táxi que passava. Besteira minha. Melhor ter pego o metrô. Eu saltaria a quatro quadras do consultório e a doze do hospital.
Toca o celular (emprestado, é claro! celular era coisa cara. aliás,! ainda é!).
“Zander. Cheguei no hospital, vou para o quarto…”
Interrompo-a.
“Me espere aí! Não ouse subir sem mim.”
“Não, mané! Passa em casa e pegue as minhas coisas. Trouxe algumas roupas já esperando, mas deixei as minhas mudas de roupa.”
“Ok. Pera! Ok não! Vou para aí. O negócio deve demorar um bocado, então peço à minha mãe para pegar as coisas. Além disso, é ela quem vai ver o parto mesmo. Você sabe que eu desmaio nessas horas…”
“É. Eu sei. Então vem prá cá que a Eliana está ‘dando entrada’ aqui.”
“Ok, ok e ok.”
O carro se move com a letargia típica de uma quarta-feira, meio-dia, no centro do Rio de Janeiro. Parece que nunca vai sair da.. opa! ganhamos o Aterro do Flamengo e partimos para Botafogo. Puta que pariu! Botafogo engarrafa sempre. Que merda! Não vai dar tempo! que bosta… opa! chegamos na Mena Barreto! agora é só um pulo.
Pago. Saio. Desço. Encontro.
“Oi. VOCÊ TÁ LEGAL?”
“Calma, Zander. Tô bem sim.”
“E as contrações?”
“Eu achava que eram gases. Tá bem fraquinho mesmo.”
Daí, foi internação. Banho. Limpeza interna. Minha mãe chega. Combinamos todos no quarto que a Mãe iria ver o parto, que eu não iria. Que estava certo e tal. Chega a enfermeira:
“Está pronta, mãe (a que iria parir, não a que iria acompanhar)?”
“Tô sim. Vamos.”
“Está pronto, pai? Você tem de vestir a roupa.”
Pois é. Assim como as mulheres têm um firmware instalado que as fazem saber *tudo* o que se relaciona a bebês, no momento que eles nascem, algo em mim brotou. Algo inédito, coisa que nunca havia sentido antes. Acho que foi coragem. Ou burrice, dá na mesma.
“Tô sim. Vamos.”
Mãe e a Mãe se olham. Não senti pingo de confiança vindo desses olhares. Com a coragem (ou privação temporária dos sentidos) que recém recebera, parti para A Roupa Verde e A Máscara.
Daí, espera. Mede dilatação. Espera mais um pouco. Mede de novo. Um “é, acho que já dá” seguido de um “dá a injeção antes”. Injeção? É, injeção. Ok ok ok ok. Não vou desmaiar.
Não era injeção. Era uma agulhinha de nada, coisinha à toa.
“É só isso?”
“Não. Essa é só para preparar para a peridural.”
“Ah! bom.”
Quando o anestesista saca o trabuco. Péra! Você não leu direito. Era um TRABUCO! Se fosse uma pica, seria o Long Dong Silver. Quando o anestesista saca o trabuco, eu começo a ver o mundo girar. O pediatra, que sabiamente se posicionara a meu lado, me dá um “abraço” de apoio. E eu NÃO desabo! U-hú! Deixa eu sair daqui correndo!
“Sabe que a maioria dos pais sempre desmaia quando a mulher toma a peridural?”
“Verdade?”
“Não. Mas quis apenas te consolar um pouco.”
“Mesmo que um pai desmaie, não dá muita dor de cabeça aos médicos, né?”
“Nem. Só teve uma vez que um cara caiu na mesa de instrumentos e se cortou todo. Mas foi só uma vez.”
Nota mental: ficar LONGE da mesa de instrumentos. Como assim instrumentos. Burro! vão cortar a Mãe toda e depois costurar de volta. Eca!
Bom. Lu não pode mais ficar de pé. Mas não tem dilatação suficiente. A obstetra me expulsa do quarto de espera e fecha a porta.
“Acho que estão amarrando um pedaço de ferro no pé da cama e mijando na porta enquanto acendem umas velas no corpo.”
“Hein?”
“Nada, deixa. Tô uma pilha.”
“Você fuma?”
“Não.”
“Pena.”
Todos os quatro médicos auxiliares fumavam. E estavam vendo novela. E um deles dormia. Filhos da puta. Sem consideração. Sem empatia. Ainda me davam tapinhas nas costas. Parecia que eu era um estagiário ou uma forma ainda mais baixa de vida.
Pronto. Tava na hora. Mesa de operações, ou de parto, ou de eutanásia. Não sei. Tudo igual nessa hora. A mãe começa a fazer força. Muita força. E berra. Mais que o normal. Menos que a vez que eu deixei-a esperando umas seis horas em casa enquanto fui tomar um pileque com o pessoal do trabalho. Menos ainda que quando eu gastei uns 500 dólares em figurinhas de Magic, the Gathering, coleção The Dark, esgotada, uma caixa fechada. Mas ainda berrava muito. O médico faz um “rolo de massa” com o braço esquerdo e pressiona dos peitos para as pernas, como se espremesse a criança para fora. A Lu berra ainda mais e a cabeça começa a aparecer. Já era Catarina.
Dez minutos (se tudo isso) depois, nasce a baixinha inteirinha. Pequena, imunda. Nojenta mesmo. Mas linda. Nem enrugada estava, mas ainda parecia um joelho. O joelho mais amado da face da Terra. Me a colocam no colo. Ela nem chora (já haviam limpado-a com um aspirador de melecas placentais). Opa. O que acontece atrás de mim? Outro parto? ah! é a placenta. Puta que pariu! é outro parto… Bom.. ao menos o pessoal pode puxar com menos delicadeza.
“Zander deixa eu ver… Você contou os dedos? ela tem dez dedos?”
“Claro pô! Você acha que eu sou o Homer Simpson? (hoje, mais careca, gordo, burro e atolado, eu penso se isso não foi uma profecia) Tá com dez dedos sim! Olha só.. é linda… e nem é um joelho.”
Levamos a baixinha para a estufa, ou caixão da Branca de Neve, como eu prefiro contar à ela. Eu e o pediatra que fez o teste do pezinho.
“Você tem filhos?”
“Quatro.”
“E você viu o parto de todos eles?”
“Lógico, né? Economizei uma grana… rs”
“Mas não enjoou no quarto?”
“Não. Chorei em todos eles.”
Da estufa, os avós, do outro lado do vidro davam adeus.
Fomos pro quarto. Lu dormiu. Eu acho que chorei um pouco. Mas guardei a lembrança desse dia, bem calada no peito. Abro só um pouquinho, quando chega essa data. Ou quando acho que nunca fiz nada direito.
Catarina, não sei se você um dia lerá isso, mas agora faz sete anos que eu me senti uma pessoa melhor, maior e mais humana. Você agora tem os dentes moles, caindo aos poucos, e outros tomarão o lugar deles (espero!). Nesse quarto de Saturno, você saiu da infância-bebê e vai começar a, cada vez mais rápido, virar gente grande. Vai ser uma pré-adolescente, uma adolescente (que invenções bestas da nossa sociedade), uma jovem adulta e uma mulher. Mas não deixará nunca de ser o bebê que eu coloquei no colo, nos primeiros momentos de sua vida.
E eu te amo.
Beijos, do pai (que não desmaiou!!)