Dona Cora, você me dá uma licencinha?

Desculpe chegar sem jeito, assim, na tua casa. É que me assustou um pouco a senhora com a vassoura na mão espanando um monte de poeira para fora, poeira que os outros trazem aos poucos da rua e deixam na sua casa, sem ao menos limpar o pé no carpete.

Mas eu queria te dizer uma ou duas coisinhas aqui, se a senhora não se incomodar.

Duas coisinhas sempre me incomodaram tanto na imprensa quanto nos motoristas de táxi. É um negócio chamado opinião.

Opinião é um negócio muito sério. Na verdade, é um negócio perigoso. Uns tem, outros não, uns fazem-se ouvir para muitos, outros apenas para os passageiros ou os clientes.

De tão perigosa a opinião, o achismo, um pessoal, tempos atrás, achou que um homem era melhor que o outro, os de cabelo azul eram mais fortes, mais espertos, mais bacanas que os de cabelo rosa e aqueles resolveram botar estes em uns clubes estranhos, uns spas sem comida…

Opinião não serve de nada.

A única coisa que serve para alguma coisa é informação. A informação é o que pode mudar curso da história, é o que determina a vitória ou a derrota numa batalha, é o que transforma, cura e conserta.

E este é o papel da imprensa. Ou melhor deveria ser.

Deixa eu cutucar uma coisinha… não acho que a imprensa é culpada por nada, a não ser tentar sobreviver num sistema que a instantaneidade mata a apuração, a confirmação dos fatos, a busca pela informação. Veja o caso do Jayson Blair no New York Times. Na guerra pelos prazos, morreu a idoneidade de um bastião da imprensa.

A imprensa tem de vender, passou a ser mercadoria.

Para isso algumas distorções acontecem, inclusive a homogeinização das informações publicadas. Note quando foi a última vez que você foi na banca de jornal e viu manchetes totalmente diferentes nos jornais? e quando vc viu a mesma manchete em TODOS os jornais?

Posso estar enganado, mas a imprensa cada dia que passa está mais distante de informar e passa a ser uma produto de mercado.

Posso estar errado, mas gostaria de que me provassem com fatos, estatíticas, e não com achos ou opinioes.

A opinião falece perante o fato.

Deixa eu cutucar outra coisa.

Quem é classe média? pelo que aprendi nas minhas aulas de sociologia, classe média é aquela que se situa no meio do proletariado (quem produz bens de consumo com sua força de trabalho) e quem é “burguesia” (quem detém os meios de produção). É meio velha e marxista, mas é neutra o suficiente essa definicao.

Partindo desse ponto, quase todos nós que trabalhamos em atividades que a produção é intelectual ou financeira, somos classe média.

Nos anos 60, 70, 80 e 90 não assinávamos carteira de nossas empregadas, não passávamos nota fiscal de nossas pequenas empresas, contrabandeávamos computadores de “executivos de fronteira”, dávamos dinheiro aos guardas, comprávamos carteira de motorista, entre outras coisas. Nós! CLASSE MÉDIA!

Como dizer que não temos nada a ver com isso se, tendo a chance de botar a boca no trombone, na imprensa, na política, nos calávamos?

Desculpa, omissão é responsabilidade.

Não quero dizer, dona Cora, que a senhora tenha alguma culpa nisso. Não creio mesmo nisso, na vedade creio que a senhora seja um exemplo a ser seguido. Honesta, correta, democrática. Mas queria que não confundisse o particular com o coletivo. Se a senhora é correta, honesta, paga todos os seus impostos, a maioria da classe média não o é. A maioria já cometeu infrações ou foi corrupto ou estimulou a contravenção, seja ativa ou passivamente. Essa é uma opiniao minha, pois não há estatística disso, obviamente.

Desculpe discordar da senhora, dona Cora, mas se a classe média não tem culpa, tem responsabilidade pelo o que ocorre.

Se a senhora acha que os “demagogos de plantão” estão tirando a responsabilidade do Estado, lembro-lhe que o estado é controlado por quem é eleito por, entre outros, quem faz parte da classe média, pessoas que deveriam nos representar e, se não o fazem, é porque nós, da classe média não fazemos como a senhora, controlamos e cobramos dos nossos eleitos a responsabilidade pela condução do estado. É na classe média que ouvimos “eu não gosto de política”, “política é só para quem não presta”.

Eu (novamente uma opiniao) acho válido o seu desabafo. Mas saiba que não é porque a carapuça não te serve é que te eximes dos teus semelhantes.

Um último adendo, não és burguesa. A não ser que detenhas os instrumentos de produção de bens materiais e que ganhes seu sustento através de mais valia. És classe média.

Desculpe entrar na tua casa assim e despejar essa pá de poeira, deixe que eu limpo, já estou de saída… e passe lá em casa, tenho sempre um cafezinho requentado!

tez

Na sombra, sacio o desejo.
Na luz, anseio a sombra.
Na cama, fujo à meia-luz.
No gozo, transbordo a cama.

Os olhos fulminam o gozo.
Nas pernas, os olhos da luxúria.
No suor, a guerra das pernas.
No gozo, o gozo, o suor e o gozo.

paralelas

Sou uma linha que tece ou divide.

Ora consturo e amarro,
estrangulo e capo,
bordo e abrigo,
vejo e sou visto.

Ora corto, delinho,
desenho, defino,
arrumo, ordeno,
empilho, arrumo.

Sou linha, mas não agulha,
preciso de par.
Sou linha, não nação,
preciso de habitação.

Sou espaço, preencho-me.
O verbo apenas me é.
Pois sê!

querer

O mundo não é meu abraço, nem meu desejo.
É meu carinho, meu sonho e meu apreço
O sorriso é meu sal, minha pimenta, minha canela
Queria vê-lo em ti, de tão sorriso, a mais bela!

gélido

Que frio é esse que me toca a alma?
É do vazio dos meus dias?
Ou do nada das minhas noites?

Vem do arcabouço das emoções?
ou do espaço entre os lençóis?

Por causa do nada, fico obsessivo pelo pouco.
E cometo erros, impensados.

Desculpe-me morena.