Essa generosa mesquinharia diária

publicado na Tribuna da Imprensa

Sei que Deus e o Diabo moram ali nos pequenos detalhes. Também sei que cada moeda economizada, cada grão do papo, cada segundo contam. Mas me impressiona a forma que se perde a visão do todo quando o detalhe, cada ínfimo detalhe, é criticado.

Quer um exemplo? Os amigos estão com uma modinha interessante de tirar diversas fotos em macro ou com cortes esquisitos de paisagens urbanas e colocar nos seus álbuns digitais. Não acho feio, absolutamente, ou errado ou esquisito, mas não consigo deixar de pensar no resto que foi sonegado da imagem recortada. Um close numa flor, expondo os estames, me nega a visão do jardim ou da selva onde ele está plantada. Outro nos fios de um poste de luz esconde a poluição das centenas de volts que voam por nossas cabeças. Um terceiro registra um olhar triste e bonito, mas esconde as mãos ou o jeito que os pés da criatura estavam cruzados. E isso fala tanto da pessoa, cenário ou planta quanto o detalhe.

Eu adoraria que essa moda de foto-detalhe fosse o último suspiro do cartesianismo na nossa cultura. Mas não é, infelizmente.

No trabalho, as pequenas variações microcósmicas das vendas dos diversos produtos de entretenimento que vendemos são mapeadas e escrutinadas em seus detalhes mais íntimos. E ainda assim ficamos cegos com o comportamento de diversos produtos. Falta a visão do todo. Por sorte a equipe inteira tem isso em mente e consegue imaginar o gigante pelo dedo.

Normalmente isso seria encarado apenas como parte da nossa rotina diária. Pra ser completamente sincero, isso é a totalidade da nossa rotina. Mas o desespero no detalhe, a fúria pelo descontrole do mínimo, me assusta sobremaneira.

Eu fico pensando nas avós que ainda fazem crochê ou tricô. Eu fui criado numa casa onde as pessoas passavam parte do tempo embriagando a mente com raios catódicos e ocupando as mãos com agulha e linha. Eu até invejava as mulheres da minha casa que tinham aquela capacidade de se desdobrar em diversas atividades. Ainda tenho, aliás. Mas o caso é que cada nó, cada detalhe, era feito com a consciência do todo. Se fosse virar uma pantufa, as linhas estariam à mão, as agulhas certas também. E quando o erro mínimo era presente, elas olhavam para a obra, soltavam um sonoro palavrão e recomeçavam o trabalho sem mais estresse.

Não pretendo fazer um comparativo de marketing entre o tricô e os mercados digitais – o que seria até uma boa idéia para um livro desses feitos para empresários, com letras grandes e muitos, muitos gráficos que vão do nada ao lugar algum – mas na obsessão pelo detalhe, pelo mínimo.

Eu tive um professor de desenho que tinha um comportamento singular. Quando um aluno vinha estressado com algum pepino de algum projeto, ele dava o norte do que ele deveria fazer: trabalhar mais nas texturas, treinar mais as aguadas, exercitar o traço com o lápis ou caneta ou hidrocor. Quando o incauto e imaturo aluno tentava arrancar um algo mais dele, vinha o inevitável: “Caguei pro detalhe! Vai e faz!” No caso, era um “estímulo” para o moleque se virar e ralar um pouco mais, mas a intenção me marcou profundamente.

Dei essa volta prolixa para tentar ilustrar um ponto bem mais simples. O quanto de detalhe atrapalha a nossa felicidade que, por si, é efêmera. Que nó, ou “corte de percepção” estamos dando para nós mesmos para evitarmos uma realização?

Com essas dúvidas, eu me recolho e tento sonhar uma resposta.

Al Yankovic – Don’t Download This Song

Al Yankovic – Don’t Download This Song

Once in a while maybe you will feel the urge
To break international copyright law
By downloading MP3s from file-sharing sites
Like Morpheus or Grokster or Limewire or KaZaA

But deep in your heart you know the guilt would drive you mad
And the shame would leave a permanent scar
‘Cause you start out stealing songs and then you’re robbing liquor stores
And sellin’ crack and runnin’ over school kids with your car

So don’t download this song
The record store’s where you belong
Go and buy the CD like you know that you should
Oh, don’t download this song

Oh, you don’t wanna mess with the R-I-double-A
They’ll sue you if you burn that CD-R
It doesn’t matter if you’re a grandma or a seven year old girl
They’ll treat you like the evil hard-bitten criminal scum you are

So don’t download this song
Don’t go pirating music all day long
Go and buy the CD like you know that you should
Oh, don’t download this song

Don’t take away money from artists just like me
How else can I afford another solid gold Hum-Vee
And diamond-studded swimming pools
These things don’t grow on trees
So all I ask is, “Everybody, please…”

Don’t donwload this song (Don’t do it, no, no)
Even Lars Ulrich knows it’s wrong (You can just ask him)
Go and buy the CD like you know that you should (You really should)
Oh, don’t download this song

Don’t donwload this song (Oh please, don’t you do it)
Or you might wind up in jail like Tommy Chong (Remember Tommy)
Go and buy the CD (Right now) like you know that you should (Go out and buy it)
Oh, don’t download this song

Don’t download this song (No, no, no, no, no, no)
You’ll burn in hell before too long (and you’ll deserve it)
Go and buy the CD (Just buy it) like you know that you should (You cheap bastard)
Oh, don’t download this song

Um café, um bolo, um beijo

publicado na Tribuna da Imprensa

Nunca entendi o sentido dos reencontros.

Não que sejam ruins, entenda-me, mas essa vontade de tentar reviver um sentimento passado é estranha para mim. E não que eu não sinta isso vez por outra, muito pelo contrário. Essa é quase uma constante na minha vida.

Sou um saudosista declarado e assumido, ora bolas!

Mas é como uma febre que não abandona um corpo doente. Ou como um cisco que teima em lacrimejar o olho descuidado. É assim que me pego querendo reanimar uma história que já estava morta. E, veja bem, morta não por minha opção ou de qualquer outra das partes envolvidas. Mas porque tinha de ser desse jeito. Nem todos os casos dão certo ou todos os relacionamentos perduram.

Aliás, relacionamentos estão sempre fadados a acabar. Tolo é quem teima em manter vivo o defunto declarado e anunciado como morto.

Por vezes é bom rever as pessoas que, em algum momento de suas vidas, se distanciaram e traçaram os seus próprios caminhos. É uma questão de tentar reaver de onde viemos, de onde pertencemos e traçar paralelos equivocados sobre nossas próprias vidas.

Às vezes o reencontro tem um sabor de café, bolo e papo bom e faz começar uma história nova com os mesmos personagens em outras histórias, com papéis diferentes. Um casal de ex-amantes torna-se amigos e sinceramente preocupados um com o outro, numa forma diferente de amar. Nesse caso o reencontro é apenas pretexto para uma história nova. É a vida se manifestando no momento do culto ao passado.

Porque a vida é isso: é a celebração do porvir, do devir universal. A vida é potência que se manifesta sem traçado aparente.

Mas o humano é o oposto disso. Nós somos reflexo do passado, retrovisores de nossas próprias histórias e gostamos de remoer, ruminar e macerar o que aconteceu há anos passados. Poucos de nós conseguem olhar para o horizonte e enxergar que ali é o seu lugar. Temos a tendência, novamente, equivocada de achar que o passado era melhor, que aos quinze, aos vinte ou aos vinte e cinco é que éramos felizes. Pobres de nós! Nos negamos a felicidade aos trinta, trinta e cinco e aos quarenta.

Mas tergiverso. O caso é que os reencontros são esquisitos. Ex-amantes não sabem onde colocar as mãos ou o tesão, ex-colegas não sabem que confidências são mais pertinentes ou que intimidades o novo código à mesa pede que sejam deixadas para depois da sobremesa. Pessoas que reconhecíamos como os braços e olhos e ouvidos estendidos de nós mesmos agora titubeiam em contar um projeto novo ou em anunciar o filho que está a chegar.

O que entristece nesses reencontros é que as pessoas mudam. Elas envelhecem no mesmo passo que você. Os cabelos brancos podem ser escondidos, mas as rugas da alma são indeléveis. Não há tintura para esconder a carga de passado que cada um carrega. Aquela imagem congelada do passado há muito já não corresponde à realidade e só tu é que não se apercebeu disso.

E eu me pego pedindo para que alguém tenha saudades de mim.